A pretensão do monopólio de Deus
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Não é de hoje que o ser humano tenta definir quem é Deus, o que Ele faz, gosta, aprova e desaprova. Ou, no caso de não serem monoteístas, tentar definir todas essas características para os diversos deuses existentes nas diversas fés espalhadas pelo mundo. Essa ânsia pela definição da divindade parece ser algo inquietante para a maioria das pessoas. Saber qual a razão disso tudo que existe, como surgimos, por que existimos, para onde vamos etc. são perguntas motivadoras e que perpassam o imaginário humano, independentemente de sua pertença religiosa ou não. Talvez, as únicas diferenças estejam nos arcabouços teóricos que são usados para justificar essa ou aquela forma de ver o mundo.
No caso do cristianismo, religião sobre a qual acredito que eu tenha mais conhecimento de causa para falar, é possível perceber que, não raras as vezes, tal anseio deu lugar a uma soberba muito grande. Devido ao enorme crescimento que tal religião teve, principalmente após se tornar uma religião de império com a conversão de Constantino, com o passar do tempo, o cristianismo passou a se entender como a religião que possuía o monopólio de Deus.
Em outras palavras, difundiu-se a pretensão de que tudo aquilo que Deus é, pode fazer, autoriza ou não deveria passar pelo crivo da religião cristã para que ela chancelasse ou não aquilo que poderia ou não vir da parte de Deus em nível global. Tal pretensão, por sua vez, durou muito tempo. Foram mais de 1000 anos com uma hegemonia cristã no Ocidente, de maneira que grande parte da forma de pensar, estruturar as sociedades e até mesmo pensar algumas mudanças se ancoravam em princípios cristãos, tendo isso mudado, pelo menos no campo intelectual, com o início da Modernidade.
Mesmo que já há algum tempo não se viva mais em uma cristandade, a soberba cristã ainda permanece em diversos ambientes em nossa sociedade. Ainda é comum ouvirmos pastores, pastoras, membros e membras de diversas comunidades de fé julgando e condenando pessoas que não agem dentro de certo padrão moral esperado por elas. E mais ainda, fazem isso afirmando que é Deus quem desaprova determinada conduta, mesmo que para isso seja necessário retirar textos bíblicos de seus contextos e usá-los como pretextos para se dizer o que se quer.
Ao mesmo tempo, e a meu ver, fruto dessa atitude soberba, o cristianismo começou a ser uma religião opressora, que se esquece que tem sua origem entre os pobres e oprimidos, sendo o próprio Jesus um dos marginalizados de seu tempo. Com esse esquecimento, aliado com essa pretensão de ser detentora da verdade última de todas as coisas, cada vez mais essa religião se fechou em si mesma com seus rituais que muitas vezes só falam de si para si, sem se importarem com o meio em que estão inseridos. O ritual se transformou em ritualismo e a empatia para com os outros se transformou em condenação.
Aliado a isso, para muitas pessoas, o cristianismo não tem mais nada a dizer, uma vez que sua linguagem não foi atualizada em muitos assuntos contemporâneos. Como um disco arranhado que não permite que a agulha passe para a próxima faixa, o cristianismo em muitos casos permanece preso em dogmas e concepções que não fazem mais sentido na atualidade.
Isso, possivelmente, é também fruto dessa pretensão do monopólio de Deus, desse fechamento ensimesmado ou, em outras palavras, fruto do esquecimento do amor, que tem como característica a saída de si em direção a um outro. Sem que o amor às pessoas seja maior que o amor ao dogma, o cristianismo se tornará, cada dia mais, uma religião rígida e, com isso, fará com que as pessoas se afastem dela
Nesse ponto é sempre importante se lembrar de que só se é uma igreja em saída se se é uma igreja que ama, visto que toda amor sai para além de si na direção do outro.