O engodo do discurso Deus, Pátria e família
Imagem: Judeus pela Democracia: https://pbs.twimg.com/media/FbS7oIiWAAQwaMw?format=jpg&name=large. Em: https://twitter.com/jpdoficial1/status/1564081270971326466/photo/1
É muito comum ouvirmos hoje em dia o discurso “Deus, Pátria e Família”, ainda que tal lema nos faça relembrar de dois dos momentos mais cruéis e desumanos de nossa sociedade, o Nazismo e Fascismo.
Algo que é interessante de se notar é que por detrás desse lema se esconde certa imagem hegemônica do que seria cada uma dessas palavras. Toma-se a palavra Deus, por exemplo. Muito possivelmente a imagem de Deus que se tem por parte dos amantes desse lema é do Deus branco, guerreiro, violento e poderoso. Da mesma forma, ao tomarmos o termo pátria, possivelmente no imaginário das mesmas pessoas se tem a ideia de pertencimento visceral a determinado lugar e o medo que este deixe de existir da forma como tal pessoa considera cômoda para ela.
Família, por sua vez, talvez seja a que traga maior carga sentimental, uma vez que no imaginário de diversas pessoas, só existe uma forma de família, aquela composta por um homem, mulher, filhos e filhas. Quantos de nós já não ouvimos a frase de que enquanto determinada pessoa não tiver um filho a família não está completa? Ao mesmo tempo, os/as amantes desse lema acham inconcebível qualquer outra organização familiar senão aquela que considera “tradicional” e, curiosamente, chancelada pelo próprio “Deus” que mencionamos mais acima.
Em outras palavras, o discurso “Deus, Pátria, Família”, nada mais faz do que revelar os preconceitos tão arraigados na população brasileira com relação a qualquer tipo de diferença relacional para com esses entes.
Tal discurso, por sua vez, revela também a hipocrisia de diversas pessoas que afirmam seguirem ao Deus cristão, visto que suas atitudes e formas de pensar passam longe dos ensinamentos de Jesus. Basta ver o que aconteceu no último 12 de outubro, dia de Aparecida, no qual diversos/as apoiadores/as de Bolsonaro tumultuaram e, de certa forma, profanaram o templo tão importante e simbólico para o povo católico. Ou ainda, perceber a grande quantidade de cristãos e cristãs que imaginam e pregam um Jesus que andaria armado, dando tiros nas pessoas para garantir a paz e a liberdade.
Com relação à família, a hipocrisia se mostra no fato de diversas dessas pessoas, principalmente homens, comumente traírem suas esposas, baterem nelas e nos filhos, violentarem suas filhas, colocando a culpa nelas e, para mascararem isso tudo, estão todo domingo na igreja, cantando, pregando e saudando os irmãos com a paz do Senhor, achando um absurdo que seus filhos aprendam sobre educação sexual nas escolas.
No que concerne à ideia de pátria, tais amantes desse lema querem uma país que seja somente deles, que tenha somente uma forma de se pensar, tentando transformar os símbolos nacionais em algo exclusivo a eles. Em outras palavras, odeiam e recriminam a diversidade, sendo esta considerada perniciosa para essa suposta “pátria” que afirmam.
Onde entra a teologia nisso? Exatamente ali na denúncia do uso desses temas tão caros à fé cristã de maneira leviana e vil; na afirmação e no testemunho de que o Deus cristão não é o da violência, mas o do amor e da paz, que traz consigo a esperança de uma comunidade em que todos e todas sejam tratados com equidade; na afirmação e no testemunho de que família se define a partir das relações de amor existentes entre as pessoas que decidem se unir em prol de um projeto comum, independentemente da identidade de gênero que tais pessoas afirmam sobre si. Por fim, na afirmação e no ensino de que a pátria a que ansiamos é a plenitude do Reino de Deus, que tem suas premissas nas ações concretas de amor para com as pessoas e, nesse sentido, na grande comunidade daqueles e daquelas que habitam essa terra, independentemente da cor, raça, gênero, religião etc. e, por isso mesmo, toda discriminação deve ser condenada e não encontrar lugar entre nós.
Diante disso, quem vocifera “Deus, Pátria, Família” para discriminar, excluir e eliminar, está longe de ter compreendido o Evangelho anunciado por Jesus, sendo, portando, um anticristo em nossos dias.