Deus assume um lado na história
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Infelizmente, ainda é muito comum no meio evangélico certa postura de se colocar em cima do muro. A ideia da indiferença, de que todas as coisas continuarão do jeito que sempre foram e que, de alguma maneira, isso faz parte do plano de Deus para a humanidade, perpassa a forma de viver de muitas pessoas que se dizem cristãs.
Ancorados na ideia de que Deus não tem lado, usam tal ideia para aceitar grandes atrocidades feitas contra diversas pessoas, justificando tal posicionamento em algum tipo de mistério divino, conhecido somente pelo próprio Deus.
No entanto, ao lermos os Evangelhos percebemos algo muito diferente. Percebemos um Deus que toma partido, que se envolve, que sofre, que não se coloca em cima do muro. Esse Deus, conforme as narrativas dos evangelistas, escolheu um lado para se estar, que é o lado dos pobres, dos marginalizados, dos esquecidos, dos fracos, dos que não possuem terra, dos que passam fome. Este é o lado de Deus, tanto no Antigo Testamento quanto no Novo Testamento.
Nesse sentido, enganam-se aqueles e aquelas que fazem uma leitura meramente espiritual do texto bíblico, como se tal texto tratasse somente de uma relação vertical entre seres humanos e divindade. Essa não compreensão do texto, que o tira do seu contexto imediato já serviu, e em muitos lugares ainda tem servido, para um não posicionamento de pessoas que se dizem cristãs frente às diversas mazelas que nossa sociedade tem passado.
Praticamente todo o texto bíblico foi escrito por empobrecidos, por pessoas que foram perseguidas pelos detentores do poder de determinado tempo, por aquelas que foram consideradas indignas, bandidas, presidiárias, dentre tantos outros adjetivos que poderíamos citar.
Tais prisões e perseguições não se davam porque se falava somente de uma relação vertical entre humanidade e divindade. Não. Muito mais do que isso, essas pessoas foram presas e perseguidas porque denunciavam a injustiça, a desigualdade, o jugo desigual e a opressão do pobre por parte da classe dominante e religiosa de seu tempo.
Todos os profetas bíblicos foram perseguidos pelos poderosos e pelos religiosos da sociedade na qual estavam inseridos. Todos foram, de alguma maneira, considerados como “traidores”. Hoje, aos olhos de várias pessoas que se dizem cristãs, tais profetas seriam novamente condenados, seriam estereotipados como “ex-presidiários” e, por isso mesmo, não dignos de confiança. Em outras palavras, se Isaías, Jeremias, João Batista, Ezequiel, profetas tão aclamados entre evangélicos vivessem em nossos dias, seriam chamados por esses, em termos atuais de “comunistas”, “petistas”, “socialistas” etc, justamente porque questionariam a pobreza, a desigualdade e a corrupção presente nas altas camadas religiosas e de poder de nosso tempo.
Esquecer-se do aspecto social e político da mensagem bíblica é não a compreender, transformando-a somente em um texto de ajuda e máquina proselitista, que não muda em nada a realidade do mundo. Antes, piora essa realidade, visto tal texto ser usado até mesmo para defender armamento da população, como se fosse concebível um Jesus Cristo armado pregando pela Galileia que Deus ama a todos e todas.
Resgatar o aspecto político do texto bíblico é escolher um lado para se estar. Ser fiel ao Evangelho é se colocar ao lado dos pobres e daqueles e daquelas que necessitam de ajuda.
Em tempos eleitorais, faz-se importante resgatar tal aspecto revolucionário e político das narrativas bíblicas.
Afirmar que Deus é amor vai muito além de algo meramente espiritual. Antes, revela o modo como pautamos nossas vidas, de maneira que dizer tal frase e apoiar amantes da ditadura e da opressão não faz sentido algum. Lembrar-se disso é algo fundamental para o exercício cristão da cidadania.