Um dos paradoxos para a fé cristã
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É muito comum no meio cristão as ideias de que se faz necessário “defender a verdade” como se ela fosse certo tipo de discurso pronto e que somente as pessoas cristãs estariam de posse dela[1]
Ao mesmo tempo, constantemente, tem-se o medo de que determinadas “forças do mal” estejam lutando contra essa única verdade (que, para tais pessoas, é justamente a do discurso cristão), sendo necessário, portanto, defender “com unhas e dentes” a fé cristã, mesmo que para isso tenha que se ter atitudes não cristãs.
Com isso em mente, é possível perceber que a pretensão da verdade absoluta e o medo são temas que assombram o cristianismo durante muito tempo e, infelizmente, eles têm voltado com força em nossa sociedade brasileira com o discurso dos “cidadãos de bem”, contrários, obrigatoriamente aos “cidadãos do mal”.
Os cidadãos de bem, curiosamente, dizem-se como porta-vozes da verdadeira religião, da que possui uma verdade maior do que as outras e, por este motivo, legitimada a perseguir e destruir as religiões que não compartilham dos mesmos referenciais teóricos que ela, por medo de que tais religiões ou formas de pensamento possam, de alguma maneira, acabar com os valores cristãos da sociedade brasileira.
De alguma forma, podemos dizer que a pretensão da verdade absoluta gera o medo com relação a tudo aquilo que pode, assim, ameaçar a esta pretensa verdade absoluta, o que por si só já revela o próprio paradoxo de uma religião que é baseada nessa pretensão e no próprio medo. A verdade que deveria afastar o medo é a que o cria e luta contra esse mesmo medo que ela levantou.
Que isto esteja longe de um cristianismo que segue o exemplo de Jesus Cristo deveria parecer claro para todo leitor e toda leitora do texto bíblico. Ao mesmo tempo, deveria ser claro que a proposta cristã nunca foi a da violência, mas, muito pelo contrário, o da tolerância e da compreensão para com os pensamentos que são divergentes.
O caso dos dois discípulos que quiseram fazer parar alguém que expulsava demônios em nome de Cristo e não andava com eles deixa muito clara qual a postura de Jesus, ou seja, a de deixar ir, “porque não há ninguém que faça o bem em meu nome e depois possa falar mal de mim”. O Cristianismo é chamado à tolerância justamente porque Deus é tolerante para conosco.
Diante disso, porém, pode surgir uma pergunta: devemos, todavia, tolerar tudo, até mesmo o intolerante? A resposta a essas duas perguntas, claramente é não. Uma das boas explicações para isso foi desenvolvida por Karl Popper, sendo conhecido como o paradoxo do tolerante.
Em seu argumento, Popper afirma que não devemos tolerar os intolerantes, porque tolerá-los implica dar a eles a oportunidade de assumir o poder e, uma vez assumindo o poder, esses intolerantes destruirão todos os tolerantes, acabando assim, com a própria tolerância. Desta forma, não se deve tolerar os intolerantes de maneira alguma.
Nas palavras de Popper:
Menos conhecido é o paradoxo da tolerância: tolerância ilimitada leva ao desaparecimento da tolerância. Se estendermos tolerância ilimitada até mesmo para aqueles que são intolerantes, se não estivermos preparados para defender a sociedade tolerante contra a investida dos intolerantes, então os tolerantes serão destruídos, e a tolerância junto destes[2].
Pensar a tolerância, o medo e a pretensão de verdade absoluta é tarefa urgente para o cristianismo contemporâneo que inúmeras vezes continua a viver em um infinito looping de geração de medo devido à pretensão de verdade absoluta e a luta contra este medo com as armas da intolerância.
[1] Texto adaptado do artigo “Da intolerância ao diálogo: um caminho necessário”. Disponível em http://periodicos.est.edu.br/index.php/identidade/article/view/3597/3163
[2] POPPER, Karl Raimund. A sociedade democratica e seus inimigos. 56. ed, Editora Itatiaia. Belo Horizonte. 1959, p. 579