Da pretensa superioridade ao autoesvaziamento: desafio para o cristianismo atual

Da pretensa superioridade ao autoesvaziamento: desafio para o cristianismo atual

Photo by Shubham Sharan on Unsplash


Diversas vezes já mencionei nos textos deste Portal sobre a necessidade da teologia dialogar com o mundo à sua volta, numa perspectiva de abertura para as questões que a contemporaneidade tem colocado para nós.

Durante séculos de hegemonia cristã, de alguma forma, nos acostumamos a ser aqueles e aquelas que foram encarregados/as de ensinar às outras pessoas sobre a verdade última do universo, sobre os planos de Deus para a humanidade, sobre as verdades que só poderiam ser acessadas se alguém pertencesse à religião verdadeira que, curiosamente, seria a cristã, e por aí vai. Ou seja, ao longo da história do Ocidente, pelo menos nos últimos 2000 anos, o cristianismo tem se visto como tendo este lugar determinado na sociedade.

Em outras palavras, ainda é muito comum na cabeça de diversas pessoas que se dizem cristãs a ideia de que somos os “professores” do mundo, visto que, comumente, argumenta-se que tudo faz parte de um plano último de Deus para a criação e assim, cristãos e cristãs que se consideram porta-vozes das verdades celestiais já saberiam e teriam explicações possíveis do porquê do mal no mundo, das doenças, do caos climáticos etc. como se tudo isso fosse somente um roteiro que fosse se desenrolando com o passar do tempo. Uma vez que tais pessoas já sabem o fim dessa história, as explicações simplistas são facilmente colocadas.

No entanto, por mais que algumas pessoas não queiram assumir ou relutam em aceitar, não estamos mais na época da cristandade, o que quer dizer que o cristianismo não é mais aquele que impõe a sua visão de mundo como única verdadeira, por mais que não faltem aqueles e aquelas que ainda tentam tal empreitada.

Nesse cenário, torna-se importantíssimo que o cristianismo atual seja educado a não se ver como mero “professor” do mundo, mas também como “estudante”, que precisa aprender com outros professores e professoras que estão presentes em diversos estratos da sociedade: cientistas, sociólogos/as, filósofos/as, médicos/as, outras religiões, ambientalistas etc. Todas essas pessoas, sejam cristãs ou não tem algo a ensinar ao cristianismo e seria bastante sábio que este ouvisse o que essas outras visões de mundo têm a dizer, aprendendo com elas. É necessário que se reconheça que em muitos aspectos, o cristianismo ainda é um “aluno” em seu termo mais fundamental, a saber, alguém desprovido de luz e, portanto, que precisa ser iluminado por outros saberes.

Que isso seja uma tarefa difícil, não tenho dúvidas. Afinal, são séculos e séculos se colocando em uma posição de superioridade com relação às outras religiões e esses outros saberes. Contudo, é fundamental esse passo. Tomar a atitude do autoesvaziamento de si se torna imprescindível para que seja possível aprender com aqueles/as que pensam diferente de nós.

Claramente, tal movimento não implica a perda da identidade cristã, ancorada nos ensinamentos de Jesus. Na verdade, tal movimento reflete o próprio movimento kenótico feito por Cristo, da qual fala o hino de Filipenses 2. Fazer isso, portanto é um gesto amoroso que se reconhece na esteira do Mestre, que não buscou o poder e o ser maior que as outras pessoas. Antes, como servo, foi fiel até à morte.

Somente um cristianismo que sai das pretensões de superioridade pode ser uma voz digna de ser ouvida na sociedade atual. Sem isso, seremos como crianças que acenam para aviões passando no céu, acreditando que alguém lá de cima as verão e as responderão.

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