Sobre o Deus da teologia da retribuição
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A teologia retribucionista é uma das mais presentes no texto bíblico. Tanto nos textos do Antigo Testamento quanto nos do Novo é possível perceber traços dessa teologia que perdurou durante muito tempo na sociedade de Israel. Em síntese, ela afirma que Deus retribui com o bem aqueles e aquelas que fazem o bem e com o mal aqueles e aquelas que fazem o mal.
Um dos textos em que isso é mostrado de forma muito clara é Deuteronômio 28, que começa os primeiros 14 versículos com uma lista de bençãos decorrentes da obediência do povo e termina com outros 53 versículos em que constam as maldições que virão sobre a nação, em caso de não obedecerem aos mandamentos de Javé. Em outras palavras, Deus estabeleceu uma aliança com seu povo, de maneira que a este caberia obedecer aos mandamentos divinos e àquele proteger Israel de seus inimigos.
No Novo Testamento, alguns textos, tais como o de Apocalipse, resgatam essa visão retribucionista, mostrando um Deus que aniquila os ímpios por causa de sua maldade e dá o galardão aos justos.
Esse tipo de compreensão da pessoa de Deus já havia sido questionado no próprio Antigo Testamento. Livros como o de Jó e o de Eclesiastes mostram muito bem que tal teologia retribucionista não se mostrava verdadeira, uma vez que diversos justos recebiam males e diversas pessoas perversas se mostravam bem sucedidas.
Por sua vez, à luz dos Evangelhos esse tipo de teologia também não encontra guarita, visto Jesus apresentar um Deus que se mostra como Pai de todos e todas, fazendo sua chuva cair sobre todos e todas como fruto de sua misericórdia e amor sem medida. Nesse sentido, toda tentativa de colocar Deus como um contabilista que fica calculando débitos e créditos em seu livro de contabilidade para no final conceder salvação ou condenação não tem nada a ver como Deus que Jesus revela.
Mesmo que sejam várias as pessoas que falam a respeito do Evangelho de Jesus, ainda hoje é muito comum ouvirmos que determinada desgraça aconteceu em algum lugar porque alguma nação pecou, ou ainda que determinada pessoa não é abençoada porque está sem dar o dízimo, ou está sem oração, ou qualquer outra coisa que se julga ser demandada por Deus e não é feita por certo alguém.
Tudo isso mostra que embora várias pessoas chamem Deus de Pai amoroso, na verdade se relacionam com ele como se Ele fosse um Deus retribucionista, que está sentado num trono, observando todos os passos das pessoas para poder “dar a paga” de cada uma. Quando tal perspectiva é levada para o âmbito financeiro e se passa a pregar que a ausência de riquezas seja fruto de certo afastamento de Deus por parte de quem está na pobreza, vemos surgir os charlatões da fé e suas pregações de uma teologia da prosperidade, que gera riquezas para os grandes líderes de igrejas pseudopentecostais (considero esse nome melhor que neopentecostais, visto que muito do pentecostalismo se faz ausente em diversas dessas igrejas que seguem no viés de uma teologia da prosperidade e comumente chamada de neopentecostais).
A partir de Jesus Cristo percebemos que a relação demandada por Deus não é uma relação de medo, ou ainda uma relação de contabilidade. Muito contrariamente a isso, Jesus mostra um Pai que deseja se relacionar em amor com seus filhos e filhas e, portanto, livre de qualquer jugo ou imposição. No lugar da “justa retribuição” entra o transbordamento do amor livre de Deus que convida a todas as pessoas a viverem uma nova vida por meio do seu Espírito.