Profecia não é adivinhação de futuro autorizada por Deus
Photo by Damir Spanic on Unsplash
A profecia desempenhou um papel muito importante no texto bíblico, principalmente no Antigo Testamento. Se olhamos para o período da monarquia do povo de Israel, vemos que o profeta era aquele que trazia a mensagem de Deus para a sociedade em todos os seus níveis. O profeta, porta-voz de Javé, era o responsável por anunciar aquilo que Deus demandava de seu povo e de seus governantes, bem como chamá-los ao arrependimento, de maneira que o mal de suas ações cessasse e o castigo divino não lhes sobreviessem.
Neste ponto, algo se torna muito importante de ser esclarecido. A profecia bíblica nunca teve a ver com a adivinhação do futuro, como muitas vezes diversas pessoas tendem a pensar. Os profetas não eram uma espécie de Nostradamus autorizados por Deus para revelar aquilo que aconteceria em tempos muito distantes. O leitor e a leitora atenta ao texto bíblico podem perceber que a prática adivinhatória era condenada na sociedade de Israel, visto que tais práticas enganavam o povo de Deus. Para se ter uma ideia do quão grave eram tais práticas, os adivinhos e adivinhas eram condenados à pena capital da sociedade judaica, que era o apedrejamento.
Assim, ao se ler uma profecia é preciso ter em mente que não se trata de uma adivinhação sobre o futuro; antes, toda palavra e atos proféticos tinham o intuito de, sendo palavra instruída por Deus, levar o povo e os governantes ao arrependimento de maneira que o mal anunciado por Deus não acontecesse.
Em outras palavras, quando um profeta anunciava a determinado governante que o mal haveria de vir sobre seu reino se ele continuasse a praticar as ações que iam contra a vontade de Javé, ele não estava adivinhando o futuro, mas estava alertando àquele governante de que caso ele permanecesse no erro, as consequências de seus atos trariam ao seu povo a ruína que estava sendo anunciada. A palavra profética, nesse sentido, sempre visava ao arrependimento, de maneira que o bem, a justiça e a paz de Javé pudessem se fazer presente na sociedade.
Isso nos remete a algo muito importante. Toda profecia diz respeito ao seu tempo e para ser compreendida deve ser lida em seu contexto social, político, econômico e cultural. Sem isso, o risco de não se compreender determinada profecia se torna enorme, transformando-a em adivinhação. Por esse motivo que, por exemplo, não se deve ler o texto de Isaías 9:6, que diz: “Porque um menino nos nasceu, um filho se nos deu, e o principado está sobre os seus ombros, e se chamará o seu nome: Maravilhoso, Conselheiro, Deus Forte, Pai da Eternidade, Príncipe da Paz”, como sendo Isaías anunciando o nascimento de Jesus vários séculos depois de si. A compreensão do contexto da profecia deixa muito claro que Isaías anuncia o nascimento do rei Ezequias, que nasceria e seria um governante justo para o povo.
Só posteriormente que tal texto será lido sob uma ótica messiânica cristã, projetando-o para o messias definitivo, que cremos ser Jesus de Nazaré. No entanto, em seu contexto, Isaías não fala de Jesus, e nem poderia, visto que não tinha acesso a coisas futuras.
Compreender essa característica da profecia bíblica se torna importantíssimo para que o texto bíblico possa ser compreendido de uma maneira acertada. A não compreensão do texto bíblico e as diversas interpretações errôneas que se fazem de textos retirados de seus contextos continuam a fazer muito mal ao povo de Deus.
Nesse sentido, é tarefa teológica insistir no bom conhecimento bíblico, de maneira a se compreender a riqueza e profundidade que tais textos trazem nos contextos em que foram escritos e que, com certeza, podem ainda ser compreendidos e atualizados para nossos dias.