Literalidade bíblica: um convite à violência
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Ainda hoje em muitos lugares o texto bíblico é utilizado para justificar diversas atitudes, até mesmo aquelas a respeito das quais o próprio texto condena. Tal uso irresponsável do texto bíblico tem suas consequências na vida social de diversas famílias brasileiras que, presas a uma literalidade bíblica, sofrem diversas violências cometidas em seu núcleo.
Um exemplo dessas violências é o número de mulheres que apanham de seus maridos e são aconselhadas por seus pastores a não os denunciar, porque o amor “tudo sofre, tudo espera e tudo crê”, como diz o texto de I Coríntios 13. Ou ainda, porque Deus teria algum plano oculto nessa situação, de maneira que tal mulher, filhos e filhas devem aceitar esse tipo de comportamento e somente orar para que Deus transforme o coração do sujeito violento.
Da mesma forma, a violência psicológica é uma característica marcante do uso literal do texto bíblico que exclui o contexto no qual ele está inserido. Basta olharmos para a condenação constante que pessoas homossexuais, transexuais, bissexuais, dentre outros corpos dissidentes de sexo e gênero sofrem diariamente em suas comunidades de fé. A elas, muitas vezes, são negadas a comunhão com os irmãos, a participação na Eucaristia e a dignidade de serem ouvidas.
Tais pessoas, consideradas como “depravadas” pelos literalistas de plantão, também são condenadas ao inferno por essas mesmas pessoas. Assim, além do sofrimento e da violência que sofrem constantemente em suas vidas diárias, ainda têm como promessa o fogo que destrói tudo e nunca se apaga, na velha visão medieval do inferno como uma câmara de tortura para satisfazer os desejos de um deus sádico.
Todas essas violências causadas por uma leitura literal do texto bíblico, por sua vez, não devem ser vistas somente como mera ignorância por parte de vários líderes religiosos. Afinal, é sabido o quanto o texto bíblico foi usado na história para a condenação de muitos e exaltação de alguns. Nesse sentido, não se pode ignorar certo projeto de poder premeditado que várias lideranças na atualidade possuem e veem no texto bíblico um aliado poderoso.
Em uma sociedade em que o cristianismo ainda se mostra como religião majoritária, alguém afirmar que Deus disse algo, ou que Deus quer que determinada coisa seja feita tem um peso muito grande na vida de muitas pessoas, principalmente aquelas mais simples, que ainda veem no padre ou no pastor o representante de Deus em sua terra.
Diante disso, é tarefa de teólogos e teólogas combater todo tipo de fundamentalismo e ensinar, de maneira acessível, a mensagem que está contida no texto bíblico. Sair do academicismo se torna tarefa primordial para que o conhecimento teológico possa se tornar palatável para pessoas que, longe das terminologias, estão ansiosas por ouvir aquilo que Deus nos fala hoje.
Em outras palavras, a mensagem do amor, da luta contra as injustiças, de que o mal não dura para sempre, de que a violência não é o caminho desejado por Deus precisa ser anunciada de maneira que faça sentido e alcance o coração das pessoas. Não pelo medo da condenação que o Deus das leituras literais traz, mas pelo constrangimento que todo amor pode oferecer.
Assim, no lugar das violências fomentadas pelas leituras literais do texto bíblico, que além de condenarem pessoas também são geradoras de morte, deve entrar uma teologia que narra a história de Deus com a humanidade que criou, mostrando que seu amor visa a reconciliação por meio da liberdade, que todas as pessoas são amadas e aceitas por ele e que toda violência, seja ela qual for, não encontra Nele lugar de descanso e, por isso mesmo, deve ser denunciada e condenada.