Hans Küng: um legado a ser ouvido

Hans Küng: um legado a ser ouvido

Photo by Joel Saget/AFP


No início deste mês de abril faleceu o grande teólogo católico Hans Küng. Grandemente conhecido não somente no meio teológico, como também no meio secular, foi sem dúvida um dos maiores teólogos do século 20.

Teologicamente, é também muito conhecido devido aos embates que teve com o Vaticano, ao questionar o dogma da infalibilidade papal e, também, por seu esforço constante em propor uma chamada ética universal.

Nesse percurso, como consta no prefácio de seu livro Religiões do mundo, um longo caminho foi feito por ele, pensando, principalmente as religiões como ponto fundamental para se pensar a contemporaneidade. Assim como se mostra importante pensar os temas econômicos, sociais e culturais, segundo Küng, é também importante pensar nos assuntos que se referem às religiões.

Seu adágio de que “não haverá paz no mundo se não houver paz entre as religiões” dá a tônica de qual foi seu trabalho nessa área. Küng tinha plena consciência de que em todas a culturas humanas, as perguntas acerca da sua própria existência, do final de tudo, do sentido da vida, da superação do sofrimento, dentre outras, se fazem presentes e, por isso mesmo, as diversas religiões, que em última instância visam dar respostas a essas e outras perguntas, tem diversos pontos de convergência e de semelhanças.

Ao mesmo tempo, em seu percurso percebeu os pontos negativos dessas mesmas religiões. Diversas vezes elas se mostraram como fomentadoras de diversas agressões aos seres humanos ao longo da história. Contudo, seu intuito quando toca no ponto das religiões se mostrou de ressaltar os pontos positivos que cada um pode trazer para a melhoria do viver em sociedade ao redor do mundo.

Contrariamente ao que muita gente pode pensar, Küng não desejou uma religião universal, como se houvesse somente uma religião a que todas as pessoas seguiriam, mas via que a variedade de religiões pode trazer um mútuo enriquecimento para todas as envolvidas. Nesse sentido, parece-me importante citar aqui o final do prefácio do seu livro que citei no início deste texto. Nele, a posição de Küng fica muito clara:

A meta de um entendimento universal entre as religiões deve ser um etos comum da humanidade, mas um etos que não deverá substituir a religião – como às vezes se tem erroneamente pensado. O etos é e continua a ser apenas uma dimensão dentro das diferentes religiões, uma dimensão das religiões entre si. Não se trata, pois, de chegar a uma religião única, nem a um coquetel de religiões, nem de substituir a religião por uma ética. Mas, antes, de um empenho pela paz entre os homens das diferentes religiões deste mundo, o que constitui uma necessidade urgente. Pois: Não haverá paz entre as nações, se não existir paz entre as religiões. Não haverá paz entre as religiões, se não existir diálogo entre as religiões. Não haverá diálogo entre as religiões, se não existirem padrões éticos globais. Nosso planeta não irá sobreviver, se não houver um etos global, uma ética para o mundo inteiro[1].

O legado e esforço de Küng no que tange ao diálogo inter-religioso se mostra de valor inestimável para toda pessoa que deseja encarar honestamente a tarefa de propor novas formas de lidar com o fenômeno religioso na atualidade.

Em uma época em que vemos crescer os fundamentalismos religiosos como respostas às perdas de referências de uma sociedade hipermoderna, e como tentativa de angariar para si o poder sobre tal sociedade, a voz profética de Küng se mostra importantíssima, sendo, portanto, sábio ouvir o que ele, por meio de seus escritos, continua a nos dizer.

[1] KÜNG, Hans. Religiões do mundo: em busca dos pontos comuns. Campinas: Versus Editora, 2004, p. 17.

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