Uma teologia das dúvidas precisa nascer
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Desde que o cristianismo se tornou a religião oficial do Império Romano, lá em 380 da era cristã, a teologia cristã se acostumou a se colocar como aquela que teria a última palavra a respeito de todos os problemas da sociedade. Por ter sido alçada ao posto de ser aquela que falava a respeito das verdades últimas, do divino, do mais sublime e do mais correto, ela mesma passou a se ver confortável nesse lugar. De certa maneira, podemos dizer que o poder subiu à cabeça da teologia cristã e ao longo de toda Idade Média, como bem conhecemos, esse poder foi o mote principal das lideranças religiosas e políticas que comandaram grande parte do Ocidente.
Que a história tenha caminhado e a teologia cristã deixou de ter esse espaço dentro de uma sociedade moderna parece não haver dúvida. As revoluções burguesas, bem como as revoluções científicas marcaram essa passagem de uma cristandade para uma sociedade secularizada, na qual a teologia se mostrava como somente mais uma disciplina dentre várias outras e, com o passar do tempo, foi considerada até mesmo como um estudo desnecessário e fantasioso, do qual só se ocupavam aqueles e aquelas que ainda estavam presos a um passado que já não existia ou que queriam ainda retomar o poder de outrora.
Em parte, tal diagnóstico se mostra verdadeiro. Realmente diversas foram e ainda são as lideranças religiosas que insistem em voltar ao passado e ter de volta o poder com o qual estavam acostumados. Por outro, tal diagnóstico que ainda permanece em alguns ciclos, mostra-se errôneo, uma vez que a teologia cristã não envolve somente o estudo de coisas abstratas ou não relacionadas com a sociedade, mas se bem compreendida, tem muito a contribuir para a compreensão do ambiente no qual determinada sociedade está estabelecida.
De todo modo, presenciamos hoje os resquícios dessa visão que inutiliza o conhecimento teológico na sociedade contemporânea, principalmente naquelas cidades, instituições e países nos quais o processo de secularização se transformou em secularismo e os estudos religiosos ou teológicos passaram a ser vistos com descrédito, ou como disciplina para formação de líderes alienadores que querem “lucrar” em cima da inocência de membros não esclarecidos da sociedade.
Com isso em mente, somente uma teologia que se volta para o lugar onde está inserida e se coloca disposta a ouvir a comunidade na qual se está tem alguma chance de ser ouvida. Não cabe mais em nossos dias uma teologia ou um estudo religioso que se coloca acima de todos os outros por se considerar a verdade absoluta a respeito dos tempos e da situação.
Nesse sentido, uma teologia das certezas deve morrer para que uma teologia das dúvidas possa vir à tona. Essa teologia que parte da dúvida (e a propósito, que possibilita o amadurecimento da fé na perspectiva cristã) é aquela que é capaz de ouvir a sociedade e a partir dessa escuta, questionar a si mesma, seus dogmas, sua linguagem a fim de poder trazer palavras que façam sentido para a contemporaneidade. Somente tal teologia, que abre mão de suas pretensões de verdades absolutas, e caminha com a sociedade, sendo atenta às suas questões é que se torna digna de ser ouvida e, até mesmo, demandada pela própria sociedade. Em outras palavras, é uma teologia do encontro, que se permite encontrar e ser encontrada pelo outro a fim de ser também transformada e transfigurada para, de alguma maneira, dar-se a conhecer por todos e todas que se aproximem dela.
Mais do que falar, a teologia atual necessita caminhar com a sociedade, ouvi-la e encontrá-la para, por meio do exemplo do amor, ser capaz de revelar, no caso do cristianismo, quem é Jesus e sua mensagem geradora de vida por meio do encontro.
Sem isso, a teologia não passará de letra que, como já nos dizia Paulo, é geradora de morte.