Não entre os palacianos, mas no lugar da vulnerabilidade
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Nesta semana se comemora o Natal, uma celebração cristã que relembra o nascimento de Jesus Cristo, que nós consideramos como Filho de Deus e aquele que revela quem Deus é. Nessa época, como sabemos, é muito comum a troca de presentes e fazer memória da cena do nascimento por meio de presépios, peças etc, ainda que nem sempre uma reflexão a respeito do que essa mensagem simboliza esteja em foco.
Recuperar o sentido do natal e alguns pontos importantes das narrativas do nascimento se mostra muito necessário, ainda mais em um momento no qual vemos crescer discursos que, embora se digam cristãos, nada mais são do que tentativas conservadoras e fundamentalistas de reduzir a Palavra à mera letra, retirando, assim, a mensagem que os evangelistas quiseram trazer para suas comunidades.
Um dos primeiros pontos que se mostra importante é ter em mente que a história do nascimento de Jesus se trata de uma narrativa. Nunca foi interesse dos evangelistas fazer uma biografia de Jesus. Isso se mostra verdadeiro quando se nota que o primeiro Evangelho, que é o de Marcos, nem aborda o tema do nascimento. Da mesma forma, posteriormente, João também não falará sobre isso, o que dá a entender que tanto para a comunidade marcana como para a joanina era irrelevante saber como se deu o nascimento do Messias. Com isso posto, ler o texto de Mateus e Lucas procurando uma verdade histórica nos moldes do que se entende história a partir da Modernidade se mostra sem sentido e fazer isso é perder, justamente, a mensagem que tal narrativa quer trazer.
Uma vez compreendido os relatos do nascimento como narrativas que visam dizer algo ao povo, mais importante ainda é compreender a mensagem que os símbolos querem passar. Dentre esses símbolos, talvez o mais famoso seja a estrela que guia os astrólogos até o local em que Jesus nasceu. A estrela que aparece no céu não é uma novidade literária inaugurada por Mateus. Nas culturas do Mediterrâneo era comum simbolizar o nascimento de um rei com uma estrela que descia do céu, querendo com isso dizer que aquele que nasceu era o enviado por Deus para comandar o povo. Ao termos em mente que o povo de Israel aguardava o Messias como aquele que seria o rei de Israel e, por meio da força e violência, tal como Davi, instauraria o Império Judeu, para o qual todas as nações viriam e ofereceriam suas riquezas, o símbolo da estrela se mostra muito mais profundo do que simplesmente o anúncio de um rei que chega.
A narrativa mostra que a estrela direciona os astrólogos para uma família imigrante que se abrigava em uma casa que não era a dela e estava em situação de extrema vulnerabilidade. É nessa casa que eles encontram o rei que havia chegado e que é o rei de Israel. Contrariamente aos nascimentos palacianos dos que detém o poder, o Filho de Deus por excelência nasce na marginalidade e na vulnerabilidade e, de acordo com a mensagem trazida pelos evangelistas, é nesse lugar que tal Messias é encontrado, sendo também a marca característica de sua pregação ao longo de todo seu ministério.
Assim, a narrativa do nascimento mostra que para nos encontrarmos com o Messias é necessário que o procuremos entre os marginalizados, entre os imigrantes, entre os vulneráveis desse mundo, e não nos grandes templos, nos palácios e nos lugares abastados.
O nascimento de Jesus também se mostra como sinal de esperança, não somente pela mensagem de salvação de que Deus não se encontra irado com o ser humano, mas também por mostrar que o lugar dos vulneráveis, dos perseguidos, dos pobres, e daqueles que não possuem um lugar para reclinar a cabeça é o lugar escolhido por Deus para se revelar como aquele que caminha junto com os desfavorecidos.
Para encontrá-lo, então, é preciso estar disposto a ir em direção a essas pessoas e se fazer uma delas. Somente assim é possível contemplar que ali, no lugar mais improvável para se esperar um rei, se revelou a misericórdia, o amor e a salvação de Deus.