O dilema das redes e a teologia
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Recentemente a NETFLIX lançou um documentário chamado O dilema das redes. Esse documentário teve um impacto muito grande em diversas pessoas que, mesmo já sabendo a respeito das coletas de informações por parte das redes sociais, ou até mesmo sobre o desenvolvimento desses aplicativos feitos justamente para viciarem as pessoas fazendo com que fiquem o maior tempo possível na frente das telas, ainda assim se chocaram em ouvir tão explicitamente tais afirmações por parte daqueles e daquelas que ajudaram a desenvolver tais aplicativos.
O documentário também traz um alerta importante: é preciso que a população lute para que haja a regulação e responsabilização de tais empresas pelos dados que possuem e, principalmente, pelo que fazem com eles. Em uma sociedade como a nossa, em que informação é poder, é inconcebível permitir que as redes sociais, ou qualquer outro órgão empresarial ou estatal possa fazer o que quiserem com nossos dados.
Nesse cenário, como teólogos e teólogas, é necessário que se pense em que medida a teologia se implica nisso. Com isso em mente, gostaria de pensar dois pontos nesse pequeno artigo: o primeiro tem a ver com aquilo que a teologia pode aprender com tudo isso; o segundo com aquilo que a teologia pode ajudar nessa reflexão.
O que a teologia pode aprender? Em primeiro lugar, o documentário deixa claro algo que já sabemos: vivemos em um mundo conectado, rápido, com linguagem própria, habitado em sua maioria pelos jovens e adolescentes de nossa geração que, a partir da criação de bolhas, vivem e se interagem sempre com as mesmas pessoas, ouvindo e vendo somente aquilo que mais gostam. Em outras palavras, criaram um mundo para si e, a partir dele, toda a realidade é justificada e explicada.
Nesse cenário, é imprescindível para o pensar teológico que a linguagem da teologia seja atualizada. Seus próprios termos e sua forma de explicar as coisas precisam ser revistas a fim de ser uma linguagem que faça sentido para as pessoas de nosso tempo. Isso não quer dizer abrir mão de seus pressupostos de fé. Muito pelo contrário, quer dizer em atualizar sua linguagem para que possa ser um discurso que alcance as pessoas de nosso tempo. Assim como a teologia dos primeiros séculos tomou diversos termos extrabíblicos para poder dizer a fé para aquele tempo, é imprescindível que a teologia atual faça o mesmo movimento, reconhecendo que somente as linguagens bíblica e tradicional não dão conta do momento tecnológico em que estamos inseridos. Sem isso, a teologia continuará em sua bolha, falando somente aos seus achando que está alcançando milhares de pessoas, quando, na verdade, vive uma retroalimentação que não ajuda em nada na mudança da sociedade. Sair da bolha é tarefa fundamental para a teologia do século 21.
Por outro lado, a teologia também pode contribuir na discussão. A teologia, que parte da fé na revelação, vê o ser humano como aquele que foi criado como imagem e semelhança de Deus. Um sujeito que possuindo a liberdade, deve ser capaz de usá-la para a promoção de uma vida harmoniosa com seus irmãos e irmãs, bem como com a própria natureza. Nesse sentido, o caráter relacional é fundante do ser humano. Se Deus é Trindade como afirma a fé cristã, então o próprio Deus é também relação. Sendo o ser humano imagem e semelhança de Deus, pensar tal humano ausente de relação seria um absurdo para a fé.
A ética cristã, então, está baseada nesse pressuposto básico de que todos e todas são filhos e filhas do mesmo Deus e, portanto, estão em relação de igualdade, devendo, como irmãos e irmãs, construir uma sociedade na qual reina a justiça, a paz e a misericórdia. Da mesma forma, todo ser humano tem um valor em si mesmo, não estando este valor nas coisas externas, não sendo, portanto, negociável. Nenhum ser humano é melhor que outro e, consequentemente, na relação entre iguais, não é aceitável que alguns tenham mais direitos que os outros. A quebra do direito de um é a quebra do direito de todos.
Com isso em mente, podemos dizer que a violação da privacidade do sjueito e o tratamento do ser humano como mero produto que é feito pelas redes sociais se mostram como antiético e passíveis de denúncia, a partir dos pressupostos da ética cristã que mencionamos assim.
Assim, ao insistir no valor do ser humano como imagem e semelhança de Deus, a teologia contribui com um critério importante para se pensar a regulação e responsabilização das redes sociais.
Se por um lado a teologia tem que aprender com as redes, por outro, deve também confrontá-la e, a partir da fé, tentar ensiná-la.