Somos o padrão que Deus deve seguir?

Somos o padrão que Deus deve seguir?

Imagem de Wokandapix por Pixabay


Talvez uma das visões mais correntes de Deus no meio cristão ainda seja a daquele que retribui o mal com o mal e o bem com o bem. Uma espécie de juiz implacável que diante do mal feito não tem outra escolha, se quiser ser justo, a não ser dar a paga necessária pelo pecado, e da mesma forma, que concede o mérito aos que agiram conforme seus mandamentos prescritos. Em outras palavras, a imagem de Deus como “justiceiro” e “meritocrático”.

Curiosamente, mesmo os Evangelhos mostrando uma visão de Deus totalmente diferente, e o discurso de que Deus é o Pai de Jesus Cristo, amoroso, perdoador etc se fazer presente na boca de muitas pessoas que se dizem cristãs, comumente tal discurso vem com um “mas” na frente, na tentativa de conciliar o Deus do nosso primeiro parágrafo com aquele apresentado por Jesus nos Evangelhos. “Deus é amor, mas também é justo”, “Jesus perdoa, mas ele exige que andemos em santidade”, dentre várias outras frases que poderíamos citar, no qual esse “mas” se torna quase que uma definição complementar ao falar a respeito de Deus se mostra constante na boca de muitas pessoas.

Um dos maiores problemas desse tipo de discurso é que ele mensura Deus e sua justiça, amor, perdão a partir de nós mesmos e das nossas concepções. De alguma maneira, colocamo-nos como régua de medir se as ações de Deus são justas ou injustas, se Deus está certo ou não em perdoar alguém, ou ainda, se determinada pessoa pode ou não pode ser amada por Ele. Por transferirmos para Deus nosso senso de justiça, transformamo-nos em fiscais dos assuntos divinos, de maneira que nos sentimos autorizados a “multar” Deus por sua atitude que segue na contramão daquilo que esperamos Dele.

No entanto, o retorno ao texto bíblico e principalmente aos Evangelhos nos revela que o amor de Deus jamais pode ser mensurado, que Sua justiça está muito acima da nossa, e que Sua capacidade de perdoar vai muito além daquilo que possamos imaginar. Assim, afirmar Deus é amor e, ao mesmo tempo, colocar um “mas” na frente é não compreender o que tal definição quer dizer.

Sendo amor, então não há limites para sua atuação, de maneira que não há nada que possamos fazer para que Deus nos ame menos ou nos ame mais, o que implica que todo discurso que visa trazer certa preferência divina por alguns de seus filhos e filhas não encontra nenhuma sustentação a partir do Deus anunciado por Jesus Cristo. Da mesma forma, se Deus é amor, então não é possível que haja algo que Ele não possa perdoar ou haja algo que façamos que possa nos separar desse amor, como bem disse Paulo em Romanos 8, o que implica assumirmos que nenhum “mas” deve ser colocado depois da frase “Deus perdoa a todos e todas que se arrependem”. Por último, se Deus é amor, então sua entrega por nós não deve ser vista como uma entrega que tinha que ser feita pelo seu Filho para aplacar a ira divina que teve honra maculada com o pecado humano. Antes, sua entrega deve ser entendida como fazendo parte do próprio Deus, que como amor, sempre se entrega e sempre se coloca disponível para ser recebido e também rejeitado. Afinal, aquele e aquela que ama verdadeiramente sempre dá a quem ama as opções do acolhimento desse amor oferecido como também a opção de sua rejeição. Assim, entregar-se em favor dos que se ama faz parte da própria essência de Deus, de maneira que toda mensagem de que Deus exige algum pagamento espiritual ou financeiro para abençoar segue na contramão daquilo que Jesus falou a respeito do Pai.

Com isso em mente, qualquer tentativa de mensurar as ações do amor divino colocando um “mas” na frente revela uma não compreensão do Deus cristão, o que, com certeza, é desesperador para algumas pessoas, e também, como todo amor deve ser, libertador para muitas.

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