O crescimento dos movimentos fundamentalistas
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O fundamentalismo religioso é algo crescente no mundo contemporâneo. Não somente o de matriz evangélico-cristã, mas também os que existem em várias outras religiões. Geralmente associados a uma espécie de nacionalismo, têm sido usados para campanhas eleitorais de cunho conservadoras para atrair uma parcela da população que tem na religião seu ponto de apoio e regra de vida.
A questão que surge é: por que o discurso fundamentalista ganha tantos adeptos na contemporaneidade, na qual o ser humano se mostra a cada dia com mais acesso às informações, e o conhecimento a respeito do universo, das culturas e das sociedades está cada vez mais acessível para uma grande parcela da população? Mesmo em países considerados “mais desenvolvidos” esse crescimento também pode ser observado, o que, de certa maneira joga por terra o velho discurso colonial eurocêntrico de que tudo que está fora do solo europeu e nórdico é uma terra de pessoas que precisam ser ensinadas pela razão e, portanto, carente de que salvadores cheguem até essa terra para instruí-la nos caminhos verdadeiros.
Se esses movimentos fundamentalistas crescem independentemente da região do globo, deve haver algo que torna seu discurso atrativo para uma parcela considerável do mundo. A meu ver, esse fascínio se dá por meio das certezas que tais movimentos trazem em seu bojo. Afinal, todo fundamentalista tem muito certo o que deve ser feito, como deve ser feito e o que é requerido por parte da divindade a qual segue. Está tudo lá de maneira clara e objetiva. Até mesmo as recompensas e condenações estão bem delimitadas, podendo, muitas vezes, ser critério para o ranqueamento de fieis na definição de quem está mais perto ou longe daquilo, daquele ou daquela que consideram ser a realidade última e sentido da existência. Embora em nosso país estejamos mais acostumados a ver um fundamentalismo de cunho cristão, essa não é uma característica somente do cristianismo, como é bem sabido por aqueles e aquelas que estão lendo este texto.
No caso especificamente do cristianismo, esse ainda tem um livro que, de acordo com as posturas fundamentalistas, é inerrante e também palavra ipsis literis de Deus, o que torna a coisa ainda mais garantida, visto ser extremamente difícil se discutir com os argumentos “Deus disse” ou “Deus quis dessa forma”.
Uma vez que vivemos em uma sociedade com relações cada vez mais líquidas, consequências de um capitalismo feroz e um modo de vida baseado no consumo, no qual as certezas são constantemente questionadas por todos os lados, e considerando que grande parcela da população cristã liga o termo fé com a “ausência de dúvidas”, não é difícil entender o porquê de tamanha aderência aos movimentos conservadores e fundamentalistas na atualidade. Afinal, como dissemos, esses movimentos propõem as respostas e os modos corretos de se fazer as coisas.
Diante de um vazio no qual o sujeito contemporâneo ocidental se encontra, agarrar-se a algo que traz certezas bem definidas é um convite bastante tentador, mesmo que tais movimentos neguem a mensagem cristã, embora angariando para si trazer a “verdadeira mensagem de Deus” que levará a todas as pessoas que as seguirem para um lugar chamado céu. Uma vez que a ânsia de se garantir um lugar no céu, infelizmente, ainda é a grande tara do movimento cristão, não é difícil perceber porque tais discursos fundamentalistas agradam tanto.
A mensagem de Jesus, no entanto, não tem a ver com certezas, mas com compromisso e entrega ao próprio Deus e, consequentemente, ao próximo que carece de nós, sendo esta atitude a única possível comprovação de que realmente se ama a Deus, como nos mostra a carta de 1 João, em seu capítulo 4. Nesse cenário, o anúncio do Evangelho de que Deus ama a todos e todas, independentemente do que fazem e de que sua graça é ofertada sem demandar nada de volta da parte de ninguém, colocando até mesmo as pessoas consideradas escórias da sociedade em primeiro lugar no Reino de Deus soa para muitos fundamentalistas como absurdos e como discurso libertino e comunista, que visa desvirtuar a vontade de Deus para a humanidade.
Diante disso, vale lembrar que Jesus também foi considerado assim pelos fundamentalistas de seu tempo, tendo sido acusado por eles de ser o blasfemo contra Javé, deturpador da fé que acreditavam ser a verdadeira e, portanto, digno de morte.
Tomando tudo isso em consideração, somente uma teologia que recupere a boa nova do amor de Deus que está muito além dos fundamentalismos textuais e religiosos é capaz de fomentar o mesmo movimento revolucionário e não violento que foi o movimento de Jesus, nascido no meio do povo simples que, animado pelo Espírito, mostrava que era possível uma sociedade diferente, na qual não havia rico ou pobre, livre ou escravo, servo ou senhor, visto que no novo Reino que há de vir toda desigualdade é suplantada. É com base nessa esperança que se deve buscar hoje uma sociedade que traga as marcas daquilo que se crê ser o governo de Deus sobre os novos céus e nova terra nos quais habita a justiça.