Negacionismo da ciência: uma não compreensão da fé cristã
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Em dias atuais vemos crescer um movimento de negação da ciência encabeçado por diversas pessoas que se dizem cristãs. Essas tendem a ser contra as vacinas, contra o aquecimento global, contra as descobertas dos físicos com relação ao universo, ou seja, contra tudo que segue na contramão daquilo que acreditam e a respeito do que estão convictos.
Essa atitude anticientífica, por sua vez, não é algo novo na história do cristianismo. Basta lembramos o quanto a Igreja já se manifestou contra os avanços científicos ao longo dos séculos: desde a negação do heliocentrismo de Ptolomeu até a crítica e medo do modernismo na Idade Moderna, ou ainda, mais recentemente, contra os avanços das ciências sociais em temas de ordem sexual, tais como a homossexualidade, transsexualidade, dentre outros.
A base utilizada desde a Idade Média continua a mesma, a saber, a leitura literal do texto bíblico, visando chancelar as convicções e dar um ar de divino a todas elas. Assim, se o texto bíblico diz que o sol parou para que Josué vencesse sua batalha (Js.10,13), então isso seria uma prova divina tanto de que é o sol que gira em torno da Terra, quanto de que essa Terra também é plana. Se o Gênesis em seus primeiros capítulos afirma que uma serpente falou com Adão e Eva e que o mundo foi criado em seis dias, então tudo o que a física e astronomia dizem a respeito da evolução do universo deve ser desconsiderado. Esquecem-se de que o intuito do Gênesis não é ser um texto científico, antes, um texto de fé e, portanto, não deve ser lido como ciência.
Da mesma forma, se o texto afirma que saíram do Egito 603.550 israelitas prontos para a guerra (Nm.1,46), então crê-se piamente de que esse relato é verdadeiro, desconsiderando o fato de que ter tal número de homens reunidos constituindo um povo era algo impensável naquela realidade. Mais ainda, se esse realmente fosse o número de israelitas que saíram do Egito, teriam capacidade de dominar não somente o Egito, mas quase todos os povos ao seu redor, tornando-se, então, eles mesmos um Império.
Esses pequenos exemplos, dentre vários que poderíamos citar revelam o grande perigo que há nas leituras literais do texto bíblico que são tirados de seus contextos e utilizados de maneiras levianas por líderes religiosos e políticos. Tomados em suas formas literais perdem justamente aquilo que os caracteriza como palavra divina e, não raras vezes, levam pessoas a serem discriminadoras, intransigentes e violentas contra aquilo que consideram uma afronta à sua fé.
Esquecem-se de que a palavra de Deus não é um livro e a verdade na perspectiva cristã não é um conjunto de afirmações devidamente ajustadas, coerentes e herméticas. Muito pelo contrário, a palavra e a verdade de Deus se revelam como pessoa, o próprio Jesus encarnado que por meio de seu viver mostrou tanto como Deus é, quanto como o ser humano deve ser.
A negação da ciência como sinal de que se está do lado de Deus na luta contra a falta de fé da humanidade se revela, portanto, como um forte indício de que quem advoga tal negação não compreendeu nada a respeito da fé cristã, da vida de Jesus e das narrativas das diversas experiências que o povo de Israel fez da pessoa de Deus, conforme narrado nos livros que compõem aquilo que chamamos de Bíblia.
O negacionismo científico atual defendido por muitos líderes políticos e religiosos que tem como base as leituras literais do texto bíblico tem levado pessoas à morte. Assim, é papel da teologia denunciar tais falas e mostrar que são ensinamentos errôneos, que nada têm a ver com o que o cristianismo entende como palavra de Deus, ou seja, o próprio Jesus Cristo.
Fé e ciência não são inimigas. Muito pelo contrário, cada uma em seu território tem o seu papel na construção de um mundo melhor e digno para todas as pessoas.