Igrejas irresponsáveis
Ao longo de sua história não foram raras as vezes que o cristianismo na figura de seus líderes se mostrou com uma postura irresponsável. Basta tomar alguns eventos históricos conhecidos, tais como as Cruzadas, ou a luta contra o Modernismo e a Teoria da Evolução, ou ainda já no século XX, a postura da igreja cristã frente ao fascismo na Itália e o Nazismo na Alemanha. Esses episódios, dentre vários que poderíamos citar mostram a faceta de uma religião que diante do mal e do terror se mostrou irresponsável e conivente com aquilo que acontecia ao mundo e, principalmente, aos mais fracos.
Num primeiro momento, esses embates ocorreram a partir do catolicismo que se via impelido a dar uma resposta frente à perda da hegemonia que, desde as revoluções científicas do século XV e XVI, crescia de maneira muito rápida, principalmente em solo europeu. Como se sabe, desde o Concílio de Trento, passando pelo Concílio Vaticano I, a postura da Igreja se mostrou bastante fechada em si mesma, o que também cooperou para a perda de seu espaço numa sociedade europeia que crescia e buscava novas formas de explicar o mundo, não mais a partir dos dogmas, mas a partir da ciência e das relações comerciais.
Somente com o Vaticano II é que uma nova postura da Igreja se mostra. Ou seja, se considerarmos de Trento até o Vaticano II, foram mais de 400 anos até que o catolicismo propusesse seu aggiornamento que ainda hoje não foi totalmente compreendido e assimilado por parte de toda a comunidade católica (prova disso, os grupos conservadores que querem retornar ao rito tridentino). Apesar disso, é possível perceber em muitos pontos, principalmente a partir do papado de Francisco, uma igreja católica mais consciente de sua responsabilidade junto aos mais pobres.
Do lado protestante também é conhecida sua irresponsabilidade e conivência com os regimes totalitários que assolaram a Europa no século XX, ou ainda seu apoio aos regimes escravocratas, ou suas constantes campanhas de evangelizações que levaram países a se tornarem redutos de intolerância.
No caso brasileiro, principalmente a partir do surgimento movimento neopentecostal por volta da década de 80 é possível notar o aumento da perseguição às religiões de matrizes africanas, consideradas como demoníacas por parte desse movimento. Recentemente ainda se vê grupos evangélicos que invadem terreiros para “libertar pessoas das garras do maligno”, não percebendo que são eles os instrumentos de Satanás. Alia-se a isso o Novo Calvinismo que surge nos Estados Unidos e que tem sido importado para nosso país com sua agenda fundamentalista disfarçada de movimentos descolados para a atração de jovens que possam “fazer a vontade de Deus” em converter pessoas ao movimento evangélico.
A junção de uma teologia da prosperidade trazida do neopentecostalismo, com o fundamentalismo religioso das igrejas dos movimentos do Novo Calvinismo, aliados à intolerância religiosa e proselitismo que ambas as bandeiras carregam têm se mostrado como reduto do que há de mais irresponsável na igreja evangélica brasileira. Essa parcela do movimento evangélico (que está longe de representar todo o espectro protestante/evangélico do país) é aquela que tem apoiado as atitudes irresponsáveis do governo atual, lutando contra o isolamento social com suas orações em praças, ou com sua insistência de que os cultos com muitas pessoas num mesmo espaço sejam permitidos, ou ainda em seus discursos de que basta orar para que o vírus não tenha efeito, dentre tantas outras bizarrices.
Nesse sentido, têm-se mostrado como igrejas irresponsáveis, cujo sangue de inocentes está em suas mãos e nas mãos de suas lideranças. Essa postura irresponsável também pode ser percebida no meio católico, quando alguns movimentos insistem no fim do isolamento social sob a égide de querer participar da missa, ignorando o fato de que a verdadeira missa acontece no cuidado para com o semelhante e no acolhimento do próximo que precisa ter suas dores curadas.
Diante de tal cenário, é tarefa teológica e cristã denunciar as irresponsabilidades que acontecem no meio da igreja, na esperança de que ela se converta e seja realmente luz a brilhar na escuridão e instrumento de Deus para a manutenção da vida de todas as pessoas.