A qual Deus servimos e qual deles anunciamos?
Embora muitas pessoas se digam cristãs em nosso país, não dificilmente vemos que servem a um Deus que não é o mesmo que Jesus chamou de Pai. Isso se percebe nas atitudes e no modo de viver dessas pessoas, bem como nas falas que elas têm de Deus. Em dias atuais, é muito comum se ouvir a respeito de uma imagem de Deus que pune os maus e recompensa os bons, que tem ódio de certas representações culturais, artísticas, litúrgicas e religiosas. Um Deus que demanda obediência cega a um livro escrito há milhares de anos e que condena a todos e todas que não o seguem. Essa condenação, por sua vez, é parcelada em diversas prestações, sendo o pagamento final desse débito cobrado no final da vida. Ou seja, se durante a vida de desobediência àquilo que “Deus escreveu em seu livro”, a pessoa tem seus negócios mal sucedidos, não prospera em nada, não tem paz, alegria etc como sinal de que Deus a está condenando por desobedecer a seus preceitos, após sua morte, ainda será condenada à danação eterna, à câmara de tortura onde será atormentada e torturada por toda a eternidade.
Porém, essa imagem de Deus em nada se assemelha àquela pregada por Jesus Cristo, nem ainda às elaborações feitas pelos apóstolos após sua morte e ressurreição. Muito pelo contrário, as narrativas evangélicas mostram um Deus que se coloca como pai amoroso, como distribuidor da graça sem limites, como acolhedor e disposto a perdoar, como aquele que faz vir a chuva sobre bons e maus, que não retribui a cada um segundo seu mérito, visto o critério para o Reino de Deus é justamente não ter mérito nenhum. Não foi à toa que Jesus disse que às crianças pertence o Reino de Deus. Elas, nos tempos bíblicos, não tinham mérito nenhum e eram consideradas as mais baixas e inúteis da população, não podendo oferecer força de trabalho nenhuma e, ainda, super dependentes dos seus pais. Em outras palavras, o que Jesus constantemente afirma é que às pessoas consideradas mais miseráveis, excluídas e sem valor nenhum para a sociedade de seu tempo se revela o Reino de Deus e, ainda mais, é a elas que este Reino pertence.
Diante disso, os dois discursos de Deus são inconciliáveis. Do contrário, o Deus anunciado por Jesus seria um falso que diz uma coisa, mas intenta outra. Que dá com a mão direita e retira com a esquerda. Isso tudo, de acordo com a fé cristã, não faz o menor sentido e, portanto, é necessário escolher a qual Deus se serve e, isso, sem dúvida, implica o modo como se vive.
Claramente, a pregação de uma divindade que traz o medo tem suas vantagens. Afinal, o terror frente à condenação eterna faz com que diversas pessoas se submetam a normas impostas, desde que estejam convencidas de que elas foram ditas por Deus. Como não é difícil convencer a maioria das pessoas a respeito de questões espirituais, bastando para isso um discurso eloquente e firme, tem-se uma boa dica do por que do grande crescimento de igrejas de viés fundamentalistas e comandadas por charlatões da fé. Ao mesmo tempo, é sabido que o discurso do certo e errado traz segurança. Afinal, sabendo-se o que agrada e desagrada a Deus, basta seguir a lista do que agrada para garantir a estadia no céu. Como plus, ainda tem-se um instrumento maravilhoso para condenar a toda pessoa que pensa diferente, bastando simplesmente citar a lista do “não pode” divino.
Isso em nada tem a ver com a proposta de Jesus e com o Deus anunciado por ele, do qual falamos mais acima, o que, novamente, traz a questão da escolha a respeito a respeito de qual Deus anunciar e seguir.
Se Deus é amor, como afirma I João, e esse amor lança fora do todo medo, então a pregação do terror não pode fazer parte da pregação cristã. Isso não implica em “libertinagem” (o grande medo dos fundamentalistas), antes, liberdade que todo amor traz consigo. Afinal, amor sem liberdade não é amor verdadeiro e seguir por medo nunca foi a proposta do Evangelho anunciado por Cristo.