Um povo que vivia em trevas viu grande luz
Um povo que vivia em trevas viu grande luz (Is 9,2; Mt 4,16). É chegado o mês de dezembro e, com ele, também todos os preparativos para o Natal, uma das festas mais importantes do Ocidente tipicamente cristão. Embora em nossos dias o aspecto mercadológico dessa data seja uma característica marcante, e o significado do nascimento de Jesus se mostra esquecido por grande parcela da população, nunca é tarde para recuperar a mensagem que o Natal traz pela leitura cristã.
Na tradição protestante, a liturgia que envolve o mês de dezembro é marcada pelo advento, seja em relembrar a esperança do Messias que haveria de vir, da qual fazemos memória nas duas últimas semanas, seja a esperança do Messias que há de vir novamente, quando da nova criação de todas as coisas, na plenitude do Reino de Deus, da qual fazemos memória nas duas primeiras semanas.
Dessa maneira, não tem como falar sobre a vida cristã sem mencionar a esperança e o amor de Deus que nos fazem crer que é possível um mundo diferente daquele no qual vivemos.
Que o amor de Deus tenha sua característica de ser um amor ativo parece claro para toda pessoa que lê com atenção o texto bíblico. Deus, ao longo dos textos, é sempre aquele que toma a iniciativa para a libertação do ser humano e de sua criação, que se inclina para ajudar e ouvir o clamor do seu povo, que chama ao combate contra o mal e contra os que causam a opressão dos pequeninos. Em outras palavras, Deus se revela como realmente amor, visto ser próprio do amor se dirigir em direção ao outro para conceder vida e libertação, pois um amor que não liberta e não gera vida não é um amor verdadeiro.
A esperança, no entanto, durante muito tempo, principalmente no cristianismo, foi vista como algo meramente passivo. Ou seja, ela se resumia a somente esperar a “volta de Cristo” para que ele buscasse os que foram salvos, aqueles e aquelas que reinariam eternamente com ele. Nesse sentido, tratava-se somente de espera e acomodação. No entanto, como é possível perceber também nos textos bíblicos, a esperança nunca foi algo passivo, mostrando-se como espera que leva à ação e à transformação das situações de opressão. Essa esperança, porém, como nos lembra Moltmann, só é possível porque cremos naquele que fez a promessa e cremos que ele é poderoso para a cumprir, visto que todas as suas promessas foram cumpridas. Assim, a esperança cristã não é uma espécie de autossuperação e palavras motivacionais, mas sim uma atitude que se fundamenta na fé em Deus, pai de Jesus Cristo.
Se no mês de dezembro a liturgia cristã gira em torno do advento e este remete, em última instância, como vimos mais acima, à esperança que se baseia na promessa de Deus de salvação da humanidade e da nova criação de todas as coisas na plenitude do Reino de Deus, então é tarefa cristã mostrar que um novo mundo é possível por meio de uma vivência comunitária que reflete esse novo mundo o qual aguardamos.
Reacender o caráter da esperança hoje, principalmente em tempos tão conturbados, não se trata de simplesmente olhar para o céu e pregar uma salvação metafísica que se importa somente com um “eu” metafísico, ou com uma alma que necessita de redenção. Muito pelo contrário, tem a ver com olhar para o mundo, compreendendo a encarnação como o assumir da carne do mundo por parte de Deus e, portanto, algo que como pessoas cristãs também devemos fazer.
Em outras palavras, falar em esperança cristã é falar em luta em favor dos invisíveis da sociedade, é falar de igualdade social e de dignidade humana. Somente ao fazer isso é que compreenderemos o verdadeiro sentido da mensagem natalina e poderemos ser luz em um mundo no qual as trevas insistem em avançar. Para que um povo que viva em trevas veja grande luz, precisamos, como cristãos, ser essa luz.