Deus: amante da vida
Ao longo da história do cristianismo se desenvolveu no Ocidente uma imagem de Deus um tanto quanto diferente daquela revelada em Jesus Cristo. Principalmente na Idade Média, em que o cristianismo se tornou uma religião com enorme poder sobre a vida das pessoas, é possível notar que a imagem de um Deus amoroso e amante da vida se transformou em um Deus duro e carrancudo, com prazer no sofrimento das pessoas que não criam nele. São conhecidas as diversas perseguições que o período medieval efetuou sobre os chamados hereges, ou não cristãos. Todas elas usando textos bíblicos e justificadas pelos poderes religiosos do período.
Com a vinda da Modernidade, a preocupação passa a ser mostrar um Deus que é racionalmente possível e que deveria ser justificado diante dos novos paradigmas científicos e filosóficos que se tornavam presentes na nova sociedade. Não que com isso a imagem anterior tenha sido meramente superada, antes, que passou a ter novos contornos. O Deus da Modernidade também não é um Deus que sorri e que se alegra. Sua imagem ainda é de um Deus que parece sempre irado contra a humanidade e seu pecado. Mesmo que reações tenham sido suscitadas contra as correntes racionalistas desenvolvidas no Iluminismo, somente na contemporaneidade, principalmente depois de Auschwitz, uma imagem de Deus mais humana se mostrará presente.
Essa nova perspectiva da humanidade de Deus que sofre juntamente com os que sofrem revela traços interessantes. Se por um lado, ela tira a imagem de um Deus carrancudo, irado e distante que desejava a condenação de não crentes, por outra, ela também, em algumas teologias desenvolvidas a partir disso, esquece-se de que o Deus da esperança daqueles e daquelas que sofrem é também amante e gerador da vida. Muitas vezes, por frisarem somente no sofrimento de Deus, esqueceram-se do Deus que sorri e se alegra com a humanidade.
Resgatar o amor que Deus tem à vida se torna extremamente importante em dias atuais nos quais a morte insiste em gritar alto contra a vida das pessoas. Acaso a mensagem cristã não é aquela que diz que diante da angústia e sofrimento que geram morte, Deus é aquele que, como amor e gerador de vida, não permite que a morte tenha a última palavra, mas por meio de Jesus a vence, concedendo vida a todas as pessoas? A ressurreição se mostra como também parábola da vitória da vida sobre a morte, de maneira que a vida abundante (Jo 10,10), mesmo diante do sofrimento que haveremos de ter no mundo (Jo 16,3) faça algum sentido dentro de todo ensinamento de Jesus.
Enquanto alguns movimentos supostamente cristãos, principalmente de cunhos fundamentalistas, tentam a todo custo pregar um deus que não se alegra, que somente está preocupado com normas morais para legislar sobre os corpos das pessoas, que visa o aumento do poder temporal por meio do dinheiro para a exclusão de pensamentos divergentes, que prega a morte da natureza e das pessoas marginalizadas como indígenas, negras e quilombolas, é tarefa da teologia cristã resgatar o Deus de Jesus Cristo, que como Pai, ama todas as formas de vida e deseja que toda sua criação permaneça em plenitude de vida.
Resgatar isso, porém, é lutar para que os discursos e regimes de morte não tenham a última palavra. É denunciar e lutar para que a vida digna seja um direito de todas as pessoas e de toda a natureza.
Reconhecer Deus como amante da vida nos faz também ir contra todo discurso religioso, político e econômico que gera morte de qualquer ser humano, ou ainda da natureza e classificá-lo como adversário da proposta de Deus para sua criação. Em termos teológicos, esses discursos se mostram como demoníacos e satânicos, visto que atentam contra a vontade de Deus.
O Deus cristão é amante da vida e deseja que todos e todas vivam. Lembrar disso é fundamental para uma teologia que se afirma cristã, a fim de que ela não caia no engodo de desejar a morte e achar que com isso está fazendo a vontade de Deus.