Será que realmente cremos que o Espírito age aonde quer?
Dentre as três pessoas da Trindade, talvez a mais difícil de falar sobre ela seja a pessoa do Espírito Santo. Isso porque de todas elas, seja aquela com quem tenhamos menos familiaridade imagética. Pensar o Pai e o Filho é mais fácil porque temos já em nossa mente a imagem do que é ser pai/mãe e o que é ser filho/filha, de maneira que esses papeis já são claros e fazem parte do nosso dia a dia. Todo mundo é filho ou filha de alguém, e consequentemente, tem um pai e uma mãe que lhes são progenitores.
Quando entra a questão do Espírito, comumente, esse lastro é perdido e as imagens que se têm começam a ficar somente no campo do fantasioso. É comum pensar o Espírito como um vulto branco que fica perambulando pelo mundo, ou ainda como um fantasma, a la filmes hollywoodianos, o que dificulta muito quando se deseja compreender quem é a pessoa do Espírito para o cristianismo.
Ao longo da história, também foram diversas as formas de se falar a respeito desse Espírito numa tentativa de tornar claro para a comunidade cristã quem seria essa pessoa da Trindade. Desde pensar o Espírito como o Amor que une o Amante (Pai) e o Amado (Filho) na teoria agostiniana, até pensar em formas que ressaltam mais a personalidade do Espírito enquanto realmente pessoa trinitária, com suas atribuições na santificação, regeneração e justificação, tal como nas diversas teologias protestantes, o que é ponto pacífico é o fato de se ter a consciência de que tudo que se fala a respeito do Espírito só pode ser falado a partir da experiência de fé que se faz dessa pessoa da Trindade, sendo, portanto, impossível qualquer definição que dê conta do Espírito, ou ainda que possa circunscrever seu poder de ação.
O Evangelho de João já deixa esse último ponto mais claro ao dizer que aquele guiado pelo Espírito é como o vento, que não se sabe de onde vem nem para onde vai (Jo 3,8). Da mesma forma dá uma característica do vento que se torna de suma importância para se falar do Espírito hoje, a saber, que ele assopra onde quer, de maneira que a ação do Espírito não deve ser pensada somente dentro de escopos bem determinados e, muito menos, dentro de hermetismos doutrinais.
Durante muito tempo no movimento cristão, e em muitos movimentos ainda hoje, pensa-se o Espírito como algo restrito à doutrina ou a determinado lugar, como se ele somente agisse se determinadas normas fossem obedecidas. De uma maneira ainda mais exacerbada, chega-se a considerar que esse mesmo Espírito só pode agir dentro do meio eclesiástico cristão, de maneira que qualquer ação que não tiver um aval eclesiástico não pode ser considerada uma ação do Espírito Santo de Deus. Nesse sentido, é comum que uma parcela significativa do cristianismo fundamentalista ainda tente colocar limites para a ação do Espírito e controlar onde e como Ele deve agir, ligando-o somente às questões hierárquicas da vida da Igreja.
Uma vez que seja esse o pensamento, embora triste, não é de se espantar que haja movimentos fundamentalistas, sejam católicos, sejam protestantes, que ainda brigam entre si, afirmando que o Espírito não age em uma comunidade que seja diferente daquela que é considerada a “verdadeira igreja”. Com isso, ao invés de discernirem que a divisão não é obra do Espírito, acreditam que ao fazerem isso estão lutando em sua causa.
O mesmo acontece (e não necessariamente só nos movimentos fundamentalistas) quando se pensa a ação do Espírito nas outras religiões. A dificuldade cristã em pensar que o Espírito de Deus não lhe é exclusivo ainda é enorme e as tentativas de discernir a ação do Espírito nas outras religiões ainda continuam como um grande tabu no meio cristão. Certamente, o cristianismo atual, no que tange a esta questão, ainda está como Nicodemos, que pergunta sem entender a colocação de Jesus: “Como pode ser isso?” (Jo 3,9).
Assim, uma tarefa importante se mostra para teólogos e teólogas que pensam o diálogo ecumênico e inter-religioso contemporâneo. Essa tarefa, dentre tantas outras, está em aprender e estar aberto a discernir a ação do Espírito no meio cristão e entre as outras religiões e, a partir daí, buscar entender melhor quem é essa pessoa da Trindade, no intuito de ensinar e compreender, juntamente com o povo, que o Espírito age onde quer, e seus traços de amor e de vida precisam ser identificados onde quer que eles se apresentem, sendo esses traços critérios para se tatear onde o Espírito de Deus está e onde não está.