Marcha para Jesus?
A marcha para Jesus é um evento muito conhecido para o público evangélico brasileiro. Evento que já está em sua 27ª edição tem o intuito de reunir diversas comunidades evangélicas para realizar uma marcha pelas ruas de diversas cidades, culminando em algum show de alguma celebridade do mundo gospel.
Como mostra a reportagem da Folha de São Paulo, do dia 21/06/2019, o movimento começou pequeno. Em 1993, os evangélicos representavam menos que 10% da população e se sentiam “perseguidos e pouco levados a sério”.
Com o passar do tempo, porém, houve um aumento considerável no número de pessoas que se autodenominavam evangélicas, principalmente aquelas que foram convertidas às igrejas neopentecostais que começavam a ganhar força na sociedade brasileira. Igrejas como Universal do Reino de Deus, Mundial, Internacional da Graça são algumas do grande espectro de comunidades neopentecostais que cresceram vertiginosamente. Em dias atuais, a população evangélica no país, segundo último censo do IBGE, chega a 22,2%, ou seja, 42.275.440 pessoas. Considerando que esses são os dados do censo realizado em 2010, é possível que tenha havido um crescimento ainda maior do número das pessoas autodenominadas evangélicas no país.
Algo, porém, chama a atenção na última marcha. Nela, o presidente Jair Bolsonaro conta como um dos convidados e, em seu discurso na marcha realizada em São Paulo fala novamente sobre o seu apoio ao decreto de armas. A pergunta que surge, para qualquer pessoa que já leu o Evangelho e refletiu sobre a postura de Jesus frente às diversas situações que lhe advieram em seu tempo é: como as pessoas que estavam ali, dizendo-se marchar em nome de Jesus, que segundo a leitura cristã é o senhor da vida, apoia um discurso que visa o aumento da morte?
Da mesma forma, a compreensão cristã dos atos de Jesus mostra que o Reino de Deus, que vem da parte do próprio Deus, nunca é fruto do esforço puramente humano. Em outras palavras, não são as pessoas que instauram o Reino, antes, ele vem da parte de Deus como tudo que vem da parte dele, a saber, de graça.
Outro ponto que talvez seja curioso de se perceber é que Jesus nunca quis formar um exército que necessitasse marchar em sua honra. Sua proposta era totalmente diferente. Longe dos meios típicos de seu tempo, em que a guerra era a ordem de todo dia, em que o imperador que quisesse se manter no poder precisaria, no mínimo, contar com um exército disposto a seguir suas ordens e que visse nele, tanto alguém para temer quanto alguém que sabia dar boas recompensas a quem lhes era fiel, Jesus propõe outro tipo de relação para os que lhe seguiam. Ensinava por onde andava que seu Pai era diferente dos imperadores de seu tempo, que era alguém que dava a todos e todas a mesma chuva, fazia nascer o mesmo sol, distribuía a mesma misericórdia, seja para os amigos, seja para os inimigos. Seu ensino de ser contra a violência é marcante nas páginas do Evangelho, bem como sua pregação de uma vida abundante e restaurada pelo encontro com ele, que era aquele que poderia dar de beber a água da vida, por ser ele mesmo essa água, bem como oferecer o pão da vida, que era ele mesmo.
Dessa forma, mostrava que anunciar o seu Reino não consistia em reunir milhares de pessoas marchando em seu nome e anunciando o pertencimento a um senhor que poderia dominar tudo, antes, consistia justamente nos atos silenciosos de ajuda ao faminto, de dar roupa aos nus, de lutar pelas causas dos oprimidos e injustiçados da sociedade, de ser voz que prega contra os poderosos que usavam sua influência para massacrar o povo etc.
Diante disso, um evento que se diz cristão e ao mesmo tempo dá apoio a um discurso belicoso, discriminatório, antinatureza e povos originários precisa urgentemente rever se realmente continua cristão, ou se simplesmente, rendeu-se aos poderes temporais, perdendo, assim, a oportunidade de ser voz profética contra a injustiça e o mal na sociedade.