O dever cristão de exigir justiça

O dever cristão de exigir justiça

O Deus de Israel, ao longo de todo Antigo Testamento, sempre foi visto como aquele que exerce a justiça. Essa justiça, no entanto, não deve ser vista somente em seu aspecto jurídico, mas deve ser lida na perspectiva da ação libertadora de Deus diante do povo que sofre opressão[1]. A justiça de Deus, portanto, é justiça que liberta e dá vida.
Desde os tempos dos patriarcas até o período pós-exílico, o povo de Israel via em Deus aquele que demandava dele e de seus governantes que fosse efetivado o direito requerido por ele, de acordo com os preceitos que constavam na Torá e que visavam à vida do seu povo.
Os profetas são sempre mostrados na Bíblia como aqueles que, diante dos abusos de autoridade por parte dos líderes do povo, principalmente os monarcas que reinaram sobre Israel e Judá, anunciavam os delitos cometidos por aqueles que deveriam exercer a justiça. A injustiça causava a morte, enquanto a prática da justiça requerida por Deus trazia vida e vitalidade ao povo.
A leitura dos textos proféticos deixa clara essa prerrogativa de um Deus que se coloca do lado dos mais frágeis e vai contra o uso da lei em benefício daqueles e daquelas que possuíam o poder. A Torá, e mais tarde o ensinamento de Jesus ressaltam essa característica de Deus: aquele que sempre se posiciona ao lado dos que têm seus direitos feridos e são, muitas vezes, vítimas dos arbítrios dos que possuem o poder político, bem como aquele que sempre visa à libertação de seu povo das estruturas que geram a morte.
Em tempos atuais, novas estruturas de poder estão em voga. Os poderes das grandes corporações, dos sistemas bancários e das grandes mídias são aqueles que ditam as regras ao redor do mundo, exigindo que leis sejam quebradas para satisfazer os seus desejos e caprichos, bem como aumentar suas margens de lucro, ainda que para isso seja necessário acabar com a vida de milhões de pessoas.
Casos recentes de descobertas de milhares de pessoas em trabalho escravo, confeccionando roupas e equipamentos para grandes empresas são exemplos da ganância que muitas multinacionais carregam consigo. Da mesma forma, os diversos acordos espúrios que são feitos entre essas empresas e grupos midiáticos no intuito de fazer com que o Estado seja um aliado para seus interesses corporativos. O famoso lawfare, que nada mais é que o uso de manobras jurídico-legais para alcançar certos objetivos de política externa ou de segurança nacional e que também visa à criação de impedimentos a adversários políticos com aparência de legalidade, tem se mostrado como principal arma dos ricos poderosos de nosso tempo.
Por sua vez, isso vai contra uma das bases da sociedade moderna, que é o governo republicano. Um dos pilares do republicanismo moderno é a constituição do estado de direito, ou seja, a ideia de que a lei está acima de tudo, todos e todas, garantindo, assim, que todas as pessoas sejam consideradas iguais perante a lei e tratadas sob a égide da isonomia, no intuito de que se previna a declaração de culpa e inocência por parte dos mais fortes e com mais recursos.
Pode parecer estranho que um teólogo fale em sua coluna a respeito do estado de direito, matéria própria das escolas de formação de advogados e juristas. Contudo, falar sobre o direito dos injustiçados é uma temática recorrente ao longo de todo o texto bíblico que, como mencionado acima, faz parte da própria consciência que o povo de Israel faz de Deus, bem como da própria revelação de Deus em Jesus Cristo, como crido no meio cristão. 
Jesus sempre se posicionou ao lado dos oprimidos, dos fracos, daqueles e daquelas que não tinham voz. Sua luta pela justiça que liberta e dá vida é uma marca de seu ministério, sendo motivo de sua morte por parte dos religiosos de seu tempo.
Diante disso, tendo em mente que o Deus cristão é sempre aquele que se coloca ao lado do mais fraco e do que sofreu injustiça, é tarefa cristã se posicionar diante dos diversos casos de corrupção do judiciário brasileiro que têm vindo à tona, trazidos pelo jornal Intercept. É tarefa cristã exigir que a justiça seja feita, que as vítimas do conluio mostrado sejam libertadas e que se volte a exercer a premissa do estado de direito no país. Da mesma forma, é tarefa cristã exigir que aqueles e aquelas que legislam sobre o país não se tornem alheios a essas revelações trazidas, antes, que prezem pelo estado de direito e exerçam a justiça.


[1] Para um aprofundamento sobre a temática da justiça no Antigo Testamento, ver SIQUEIRA, Tércio Machado. O conceito de justiça no Antigo Testamento a partir de Juízes 5.9-12. In: Revista Caminhando, n.16, jul-dez 2005.

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