O seguimento de Jesus e o compromisso com a realidade
O seguimento de Jesus nunca foi algo fácil. Desde a época dos primeiros apóstolos, discípulos e discípulas que andavam com Jesus na Galiléia as narrativas dos Evangelhos nos mostram isso. Até mesmo o grupo que convivia com Jesus e o ouvia percebeu que não se tratava de um discurso trivial de ser seguido, mas que demandava uma decisão a respeito de qual tipo de vida se adotaria a partir daquele momento.
O evento narrado em João 6 deixa isso muito claro. Nesse relato, após o povo ir atrás de Jesus por causa da multiplicação dos pães narrada no início do capítulo, Jesus os repreende e passa a falar a respeito de si mesmo enquanto pão da vida, o que gera grande discussão entre os próprios ouvintes e novamente outra exortação de Jesus a respeito do compromisso requerido pelas suas palavras. Por fim, seus discípulos e discípulas começaram a dizer: “Essa palavra é dura, quem pode escutá-la?” (Jo 6,60) e muitos passam a não segui-lo mais. Diante disso, Jesus se volta para os 12 e pergunta: “E vós, não quereis partir?” (Jo 6,67).
É curioso notar que ao mesmo tempo em que o evangelista coloca na fala de Jesus a questão da liberdade que é concedida a todas as pessoas que se encontram com o Ressuscitado, na medida em que podem escolher ficar ou partir, também ressalta a decisão que é requerida por parte daqueles e daquelas que ouvem as palavras de Cristo.
Essa decisão de fé, no entanto, pressupõe um compromisso com o seguimento de Jesus e de seu caminho, algo que pode ser percebido na vida dos apóstolos e de diversas pessoas que por seguirem o exemplo de Jesus foram mortas, torturadas e expostas à vergonha durante a história do cristianismo, sendo entregues aos seus carrascos, assim como Jesus, pelas lideranças religiosas dos seus tempos, muitas das quais se diziam cristãs.
Hoje em dia no Ocidente a ideia de um seguimento de Jesus que exige um comportamento semelhante ao dele parece ter sido pulverizada. Uma vez que todos e todas, praticamente, nascem em uma matriz cristã, muitas pessoas desenvolvem a ideia de que ser cristão e cristã é algo muito tranquilo e, até mesmo, natural. Confunde-se comumente cristianismo com ser cristão. No entanto, o pertencimento a um credo religioso não faz determinada pessoa uma praticamente de determinada religião, de maneira que se pode afirmar com grande convicção que nem todas as pessoas que pertencem à religião cristã são, de fato, cristãs e seguidoras de Jesus.
O seguimento de Jesus, conforme narrado nos Evangelhos, demanda o comprometimento com a causa dos excluídos, o importar-se com o próximo, a luta pela justiça para com os mais fracos, o compromisso com o cuidado para com a natureza, a luta pelo fim das estruturas que geram morte na sociedade, a luta contra estruturas religiosas que visa tornar a misericórdia de Deus exclusiva a determinado ambiente, a fala profética contra os poderosos que acumulam riquezas para si enquanto o resto da população passa miséria, dentre tantas outras práticas que visam o bem estar do povo e a igualdade social.
Por causa disso, não é difícil perceber que em nossos dias há diversas pessoas que aderiram ao cristianismo, foram batizadas, participam do momento eucarístico aos domingos, pregam a salvação por meio de Jesus Cristo, cumprem todos os ritualismos dogmáticos e que consideram todas essas causas que mencionamos acima como pautas ideológicas que devem ser rechaçadas e condenadas, sem perceber que elas são, na verdade, o núcleo da pregação de Jesus. Fazendo isso, transformam o seguimento de Jesus em mero cumprimento ritualístico e espiritual que não toca a realidade de miséria em que muitas pessoas se encontram, negando assim, a própria encarnação.
O seguimento de Jesus, conforme narrado nos Evangelhos, demanda o compromisso com as causas e o direito dos pobres e desfavorecidos da sociedade. Toda pregação e todo discurso que se diz cristão e afirma o contrário disso deve ser visto como mentiroso e, por isso mesmo, longe dos ensinamentos de Jesus.