Você já aceitou a Jesus?
Uma das perguntas que todas as pessoas que cresceram dentro do movimento evangélico já escutaram ou já perguntaram a alguém é: “você já aceitou a Jesus?” Essa pergunta, principalmente para os evangélicos mais conservadores, é quase uma identificação codificada para saber quem é irmão/ã na fé e quem não o é. Se a resposta for “sim”, então você pode ser contado/a entre os/as que são salvos/as, bem como conhecedor/a da verdade e, portanto, obrigado a proclamar essa salvação para as pessoas que se encontram perdidas no mundo.
Se a resposta for “não”, você automaticamente é enquadrado/a no grupo daqueles/as que ainda necessitam de salvação, estando perdido/a sem saber para qual caminho seguir, e necessitando que alguém lhe leve à igreja para que você ouça a palavra de Deus e se converta ao evangelho para, então, fazer parte do grupo seleto dos que já disseram “sim” e estão salvos.
Como consequência disso, não é difícil perceber que o proselitismo é algo forte no movimento evangélico como todo e, principalmente, no de cunho mais conservador. Esse proselitismo é até mesmo ranqueado em diversos cultos de finais de ano, ou acampamentos de jovens e adolescentes, em que a contabilidade de quantas almas já se ganhou para Jesus no determinado ano serve para mostrar o quão comprometida tal pessoa está nas questões do Reino de Deus.
Há até as igrejas que pedem para se fazer a oração de “aceitar Jesus” sem a pessoa saber que a está fazendo. No final dessa suposta oração, se tal pessoa a fez pela primeira vez, automaticamente, ela é contabilizada como tendo aceitado a Jesus naquele culto. Uma vez que a salvação contabilizada, para grande parte do movimento evangélico atual, tem a ver somente com a chamada salvação da alma, sendo, portanto, desnecessário tocar nas questões sociais e estruturais da sociedade que geram as mazelas que afligem, principalmente, os mais pobres, esses “aceites” são ótimas táticas para se salvar o mundo todo com uma oração só.
No entanto, se o movimento evangélico atual levasse a sério a pergunta título desse artigo, e cada um/a que se diz evangélico/a perguntasse a si mesmo/a se realmente aceitou a Jesus, a situação do país seria muito diferente. Afinal, aceitar Jesus tem a ver com aceitar o seu modo de vida, o seu ensinamento, o seu relacionamento com aquele a quem ele chama de Pai, o importar-se com os marginalizados, pobres e excluídos da sociedade, estando muito além de regras morais e puritanismos que beiram à Idade Média que vemos nos discursos atuais.
Infelizmente, o que o movimento evangélico atual tem chamado de aceitar Jesus é somente fazer um recital de frases que, muitas vezes, não modifica em nada a vida da pessoa. Não há um modo de vida antes e um depois desse suposto “aceitar Jesus”, não há mudança de consciência, não há aumento de empatia, não há aumento de solidariedade. Muito pelo contrário, o que se percebe nas multidões que têm aceitado Jesus nos diversos encontros e cultos de mega igrejas evangélicas espalhadas pelo país, é o crescimento do preconceito, do discurso da intolerância e do ódio, do puritanismo e da hipocrisia disfarçada de moralidade, insuflados por pastores e pastoras que querem somente o enriquecimento e o exercimento do poder entre os seus/uas liderados/as.
Por isso, não é difícil de perceber porque mesmo com o aumento de igrejas evangélicas e conversões nas grandes cidades não há melhora dos indicadores de educação e desigualdade social, não há baixa de criminalidade, tráfico de drogas etc.
A não mudança das realidades sociais ali onde há inúmeras igrejas deve ser um indício muito valoroso para se perceber se o que tem sido pregado nelas é o evangelho de Cristo, que transforma situações de morte em situações de vida, ou somente um discurso moralizante e alienador para fazer com que fieis (muitas vezes com corações sinceros) sejam massa de manobra para agendas fundamentalistas.
Aceitar a Jesus não é recitar dogmas doutrinais e alguns versículos bíblicos, antes, estar disposto a seguir seu modo de viver, importando-se com os mais pobres, desfavorecidos e miseráveis desse mundo, lutando para que as estruturas de morte que existem na sociedade não tenham a última palavra sobre a realidade humana e da natureza.
Se, no entanto, não estivermos dispostos a seguir o modo de viver de Jesus, é melhor e mais honesto dizer que, na verdade, Jesus ainda não foi aceito por nós em nosso coração.