Amanhã é natal. Por que hoje não pode ser?
Amanhã se comemora uma das datas mais importantes do Ocidente. O natal, época tão linda do ano, em que todas as lojas estão enfeitadas, em que se prega a fraternidade, o amor ao próximo, a caridade e tantas outras virtudes tão caras ao movimento cristão é, sem dúvida, uma data de memória a respeito da pessoa de Jesus.
Embora muitos presépios e encenações a respeito do nascimento do menino que foi colocado na manjedoura por não haver lugar para ele e seus pais na estrebaria sejam feitos em quase todas as lojas e shoppings espalhadas pelas principais capitais do mundo, é latente também o descaso que é dado a todos e todas as marginalizadas que existem nessas mesmas cidades e que, na verdade, se mostram como a representação vívida daquilo que Jesus e sua família eram em seu tempo, ou seja, peregrinos que buscavam um lugar para aliviar a dor da caminhada e o provável desespero de ter que parir um filho em meio a uma viagem relativamente longa, de acordo com a narrativa de Mateus.
Também é curioso notar que um dos países considerados mais cristãos da América, os Estados Unidos, atualmente, mantém crianças imigrantes em cárcere simplesmente por estarem “ilegais” nesse país. Claramente, esquecem-se de que Jesus e sua família foram também estrangeiros quando, segundo a narrativa evangélica, seguiam para o Egito para escapar da ira de Herodes. No Brasil, o caso dos venezuelanos sendo xingados e mandados de volta para seu país com o grande risco de morrerem devido à escassez de suprimentos básicos para a existência se mostra, também, revelador de como o discurso natalino, tão presente na boca de muitos cristãos e cristãs, não passa de mero discurso para uma comemoração em que os únicos intuitos são a distribuição de presentes, as participações em ceias suntuosas e amigos ocultos.
Nesse contexto, a narrativa do nascimento de Jesus entre os desprovidos vem dizer ao mundo que o Deus cristão é aquele/a que, ao longo da história, colocou-se ao lado dos marginalizados, dos exilados, dos imigrantes, dos que não possuíam nada para dar-lhes esperança e sustento nos momentos de tribulação. O nascimento de Jesus, narrado nos Evangelhos mostra um Deus que se torna humano e que, ao longo de sua vida, se mostrará como aquele que se importa com a humanidade.
O sentido do natal, assim, não passa somente por um discurso bonito e representações maravilhosas a respeito do nascimento de um menino entre cordeirinhos, boizinhos que olhavam maravilhados para ele, mas implica ver que nessa imagem da narrativa está também o apelo de Deus para que se olhe para os que sofrem, para os que não possuem parte na terra, para os que são peregrinos em terra estrangeira e precisam de um lugar para o repouso que garanta que a vida que carregam não se perca na aridez e solidão dos desertos da caminhada. Somente ao fazer isso que é possível compreender o sentido do natal.
Compreender a mensagem de salvação que diz que Deus enviou seu Filho ao mundo para que, por meio dele, esse mundo fosse salvo é compreender que ela não é algo somente espiritual, mas tem a ver com a corporeidade e carnalidade do mundo, de maneira que dizer que se ama a Deus sem considerar o próximo é agir como mentiroso, como nos dirá a primeira carta de João. Assim, inútil se tornam as ceias, as reflexões, as lindas mensagens e cantatas ouvidas e feitas nessa época do ano se elas não gerarem em nós um senso de responsabilidade para com os excluídos e marginalizados desse mundo em que vivemos.
Amanhã será a celebração do Natal, contudo a narrativa evangélica dá a entender que o desejo de Deus é de que todo dia seja natal na vida da humanidade. Em outras palavras, que todo dia nasça a esperança, o amor e a vida para aqueles e aquelas que, de alguma forma, experimentam o drama e o terror da morte em seu cotidiano.