O lugar do pobre como critério para a teologia
Ao longo da história mundial a pobreza sempre foi um problema vivenciado por diversos povos. A acumulação de renda por parte de alguns e, consequentemente, a ausência desta por parte de outros não é uma característica somente da Contemporaneidade, revelando-se ao longo de vários séculos da história humana.
O texto bíblico, tanto no Antigo Testamento, quanto no Novo Testamento, também chama a atenção para essa questão. Claramente, não da mesma forma que hoje, uma vez que as dinâmicas financeiras do tempo bíblico não eram as mesmas das dinâmicas capitalistas que temos hodiernamente. Contudo, se observarmos os textos proféticos, principalmente aqueles que surgem nos tempos da monarquia em Israel, é possível perceber que o tema da pobreza era ponto importante na fala desses profetas. É comum vermos a acusação contra a balança enganosa, bem como a denúncia profética contra os reis de Israel que oprimiam o povo, não exercendo a justiça contra as causas dos menos favorecidos da sociedade judaica.
A questão dos pobres também se mostra presente ao longo do Evangelho de Jesus, sendo ele mesmo um deles, filho de carpinteiro e, consequentemente, prestador de serviços dentro de um império impiedoso, como era o Império Romano. A escolha de Jesus de se colocar ao lado dos marginalizados, chamar pescadores simples para acompanhá-lo, andar junto de prostitutas, comer com os cobradores de impostos, contar parábolas que ressaltam a simplicidade e o coração sincero dos mais pobres é algo que deveria acender em todo cristão a preocupação para com a pobreza estrutural na qual se vive no mundo hodierno.
A Teologia da Libertação, em parte fruto da Conferência de Medellin, que esse ano completa 50 anos de idade, bem como fruto do Concílio Vaticano II, foi uma teologia que se atentou a isso, passando a ler todo o texto bíblico, a partir dos marginalizados e esquecidos pela sociedade, vendo em todo corpus bíblico a preferência dele para com os pobres, sendo os próprios pobres a manifestação do rosto de Deus, algo que tem o seu ápice no rosto do Crucificado pobre e condenado pelas estruturas de seu tempo.
Essa teologia, extremamente mal compreendida por vários/as e motivo de escândalo para diversos/as conservadores/as, por sua vez, resgata consigo toda luta dos profetas na busca de uma sociedade onde aqueles que governam o devem fazer com justiça e balanças justas, evitando assim, que haja a exploração no meio do povo. Também resgata o valor da narrativa da saída do Egito, em que Deus se mostra como aquele que liberta o povo da servidão e da opressão, por ouvir o seu clamor com ouvido atento à súplica dos desfavorecidos.
Tanto o evento do Êxodo, quanto o caminhar dos profetas e do próprio Cristo, mostram um Deus cuja opção preferencial é para com os pobres e desfavorecidos neste mundo, visando sua libertação da opressão e a promoção de sua dignidade. Dessa forma, uma teologia que não leva em consideração os pobres, excluídos e marginalizados da sociedade, mostra-se como desconectada dos ensinamentos de Jesus e das narrativas evangélicas, perdendo, assim, seu caráter profético na sociedade.
Ao mesmo tempo, o lugar do pobre torna-se também um critério para avaliar se uma teologia é cristã ou não: qualquer teologia que tenta justificar a desigualdade social não é cristã, mas instrumento de manutenção de privilégios. Uma teologia verdadeiramente cristã é aquela que vê a pobreza como causa do próprio Deus e serve, portanto, como denúncia das estruturas de poder que visam manter os privilégios dos poderosos, mostrando que essas estruturas não fazem parte do Reino de Deus.
Consequentemente, é uma teologia que, motivada pela esperança da nova criação de todas as coisas, luta para que as desigualdades sociais sejam diminuídas e que os pobres tenham, cada vez mais, uma vida digna.