E quando o evangelismo não é evangelismo?
Ao longo de sua história, foram diversas as vezes em que o Cristianismo adotou posturas que seguiam na contramão dos ensinamentos de Jesus. Já mencionamos, em diversos de nossos textos, esta passagem de um Cristianismo perseguido para um perseguidor, ou de um Cristianismo oprimido que se transforma em uma força opressora na sociedade. Da mesma forma, são diversos os movimentos ao longo desta mesma história que tentaram e ainda tentam reestabelecer a mensagem cristã conforme os ensinamentos de Jesus Cristo de amar ao próximo e ter empatia para com aqueles e aquelas que sofrem em nossa sociedade.
Ambos os movimentos, observando-se mais de perto, vêm sempre acompanhado de um discurso que os sustentam. Este discurso, por sua vez, pode ser tanto opressor como libertador. Assim, pelo discurso que é utilizado é possível se ter uma boa pista a respeito de qual Cristianismo tem sido pregado por determinado movimento.
Em nossos dias, cresce um discurso de cunho fundamentalista, com uma preocupação excessiva a respeito da letra do texto, sem preocupação dos contextos em que estes foram escritos. O texto bíblico, na maioria das vezes, é usado como verdade absoluta e atemporal, de maneira que basta citá-lo para que o convencimento seja requerido e a conversão demandada.
Como exemplo, basta buscar qualquer folheto bíblico que é distribuído em “campanhas de evangelização” e entregue nas ruas, metrôs e ônibus de nossa cidade. Em grande parte destes folhetos, a mensagem cristã é muito simples, de maneira que quase todos possam ter esta mensagem resumida em três frases: “a humanidade pecou”; “Jesus morreu por você”; “você precisa mudar de vida para ter a salvação”. Esta mensagem, geralmente em tom condenatório, por sua vez, vem acompanhada de diversos versículos que a corroboram e, assim, demanda do sujeito que a lê e tem o texto bíblico como livro de fé, na maioria das vezes, uma postura imediata, seja de volta para a Igreja, seja de conversão ali mesmo onde se está para a salvação da alma, uma vez que este não sabe até quando viverá e quando terá outra oportunidade.
Embora alguns possam dizer que isto é muito bom, uma vez que mais uma alma se converte ao Senhor, isto segue na contramão da mensagem cristã que tem na gratuidade do dar e receber do amor de Deus a sua mensagem principal. O texto bíblico, tirado do seu contexto, é capaz de fundamentar qualquer coisa, para qualquer pessoa em qualquer situação. Este mesmo texto pode ser usado para condenação e para vida.
Infelizmente, em tempos atuais, no lugar da mensagem de vida que o texto bíblico quer trazer por meio de suas narrativas e histórias, coloca-se uma letra rígida que oprime e faz com que o seguimento de Jesus Cristo seja somente um emaranhado de regras que precisam ser obedecidas para se alcançar a salvação e a vida eterna, esquecendo-se que, como diz João 17,3, a vida eterna, de acordo com a proposta cristã, consiste, justamente, “em que conheçam a ti, o único e verdadeiro Deus, e a quem tu enviaste, Jesus Cristo”, o que foge totalmente de um conjunto de normas pré-estabelecidas que devem ser seguidas à risca para garantir alguma coisa, que são, geralmente, as mensagens dos folhetos de evangelização em nossos dias.
Desta forma, toda vez que o texto bíblico é usado enquanto letra dura para tentativa de convencimento alheio, ali, provavelmente, não se prega o Evangelho de Jesus Cristo que tem o amor como mensagem e a liberdade para seguir ou não como pressuposto, o que podem ser bons parâmetros para se avaliarem as diversas mensagens que se ouvem no dia a dia e que se dizem cristãs.