Da intolerância ao diálogo: desafios para um Cristianismo atual
Durante muito tempo, o Cristianismo teve uma atitude de intolerância para com as outras religiões. Essa marca registrada em sua história pode ser percebida, principalmente, no período da Idade Média, em que houve grande perseguição a todos e todas que não confessassem aquilo que se entendia, à época, como sendo a doutrina cristã. De religião intolerada o Cristianismo passou a ser religião intolerante, de perseguida, passou a ser perseguidora, afastando-se assim, em muitas situações, de seu início como movimento perseguido.
Na Idade Moderna, esse caráter intolerante também se manifestou com os movimentos contra o desenvolvimento científico e contra as diversas descobertas feitas e que seguiam na contramão daquilo que se entendia, naquele tempo, a respeito da vida e da ordem do mundo. As condenações de Giordano Bruno, Galileu e tantos outros mostram o caráter intolerante da postura assumida por uma Igreja que ainda se via como a única detentora da verdade e que, por isso, não via a necessidade de ouvir vozes que lhe eram divergentes.
Da intolerância, principalmente a partir do século XX, o Cristianismo passa para uma postura tolerante no que tange à questão da ciência e das outras religiões. Com relação às outras religiões, podemos considerar um marco nesse percurso o Concílio Vaticano II, que em um dos documentos afirma a validade das outras religiões, ao dizer que nelas há “sementes do Verbo”. Ainda que não seja uma abordagem humilde, não podemos negar que se trata de um olhar mais tolerante com a existência e caminhar das outras religiões.
Um dos sentidos de tolerância é “suportar com indulgência, aceitar”. Neste sentido, a postura de tolerância se mostra de alguma forma arredia, de maneira que o que é dito de fato é: “tudo bem, não concordo muito com isso que você faz, mas deixo isso passar para conviver melhor com você”. Levando isso para as outras religiões, seria como se o Cristianismo dissesse: “Tudo bem que vocês estejam no caminho errado, somente tateando a verdade. Como somos bons, deixamos isso passar e ensinaremos para vocês a respeito do verdadeiro caminho”. Este tipo de atitude, todavia, afasta-se muito de uma postura que tem em Cristo um exemplo de conduta, esvaziamento e humildade, e que tem, na Trindade, um modelo para a comunidade, modelo este que é aberto e dialogal.
Neste sentido, o Cristianismo é, ainda hoje, desafiado a passar de uma postura de tolerância para uma postura que seja dialógica, havendo entre estes dois termos bem simples, grande diferença e grande abismo que os separam.
Uma postura dialógica no diálogo inter-religioso implica abertura ao que é diferente e o reconhecimento dessa outra religião como tendo a mesma dignidade que o Cristianismo supõe ter, tanto para ensinar, quanto para aprender.
Somente assim será possível pensar uma religião cristã que consiga fazer essa passagem da intolerância para o diálogo, algo imprescindível dentro do mundo em que vivemos e que, ao mesmo tempo, manifesta a própria realidade de Deus que é amor, ou seja, um Deus que sempre está disposto a dialogar com todos e todas que chegam até ele. Esses passos, no entanto, não são simples de se dar e exige muita disposição por parte de todo/a aquele/a que se diz cristão/ã. Estaríamos nós, cristãos/ãs de hoje, dispostos/as a esse esforço?