Deus solidário: no pecado e na graça
É muito comum, ao se falar sobre a questão da solidariedade no pecado e na graça, ter em mente o pecado de Adão e o sacrifício de Cristo. Assim, devido ao pecado de Adão, todos/as se tornaram pecadores/as e, devido ao sacrifício de Cristo, todos e todas se tornaram, pela fé, salvos/as. A solidariedade aconteceria, dessa forma, de maneira sequencial e temporal. É por causa da solidariedade no pecado que se precisa da solidariedade na graça.
Esse tipo de pensamento, porém, retorna o velho caráter compensador, que desde Anselmo, insiste em permanecer no pensamento de diversos/as cristãos/ãs contemporâneos/as, que seria o de pensar que a graça veio por causa do pecado, o que implica pensar num Deus irado que deseja que sua ira seja aplacada de toda forma, sendo somente seu Filho aquele capaz de fazer tal paga.
Porém, ao se compreender a solidariedade como “estado ou condição de duas ou mais pessoas que dividem igualmente entre si as responsabilidades de uma ação ou de uma empresa ou negócio, respondendo todas por uma e cada uma por todas; interdependência”, descortina-se uma nova forma de pensar a famosa solidariedade no pecado e na graça. Em seu amor, Deus assume de maneira solidária o pecado da humanidade, fazendo ele mesmo pecado por nós, assumindo juntamente com o ser humano a responsabilidade por esse ato, em simpatia (sym + pathos = sofrer junto) com aqueles/aquelas a quem ama.
A solidariedade no pecado, dessa forma, não é o motivo da solidariedade na graça. Muito pelo contrário, é a consequência desta mesma solidariedade. Se Deus é amor, como afirma a primeira carta de João, e é próprio do amor ir para além de si mesmo em doação e abertura, então esse amor, que é também graça de Deus, abarca a todos e todas sob suas asas, de maneira que a participação de toda a Criação em Deus revela a responsabilidade e simpatia de Deus para com esta mesma Criação.
Compreender a solidariedade no pecado e na graça tem, portanto, implicações para a vida cristã contemporânea. Dostoievsky, em Irmãos Karamazov, nos mostra que o pecado de um é o pecado de todos, ao nos dizer: “Porque sabeis, queridos, que cada um de nós é, indubitavelmente, culpado por todos e por tudo na Terra, não só pelo pecado de todos no mundo, como cada um é, pessoalmente, culpado por todos e cada um dos homens nesta Terra” (DOSTOIEVSKI, 2012,p.232), o que mostra bem essa característica de solidariedade no pecado que é algo que não afeta somente a quem o pratica, mas afeta a toda a Criação, trazendo a noção de um pecado que é, também, estrutural.
Como forma de esperança, essa solidariedade na graça também deve nos fazer viver de uma forma que luta contra as estruturas pecaminosas que insistem em permanecer na sociedade, motivada pelo amor com o qual fomos alcançados, fruto da própria graça de Deus que se manifesta na Criação e por meio de Cristo.
Um Deus solidário no pecado e na graça revela um Deus que ama e, por amar, é capaz de sofrer. Por ser assim, seu convite é para que estejamos dispostos a sofrer e lutar junto com os sofredores desta Terra, revelando assim, o amor com qual fomos alcançados, pela solidária graça de Deus.