Desafios de uma teologia hermenêutica
Pensar a teologia em dias atuais não é uma tarefa fácil. Esse fazer teológico demanda que se tente conciliar 2000 anos de tradição cristã com as questões que se fazem presentes na sociedade de nosso tempo. Afinal, toda teologia deve ser sempre uma teologia para o tempo presente, característica esta que pode ser percebida em toda a tradição cristã. As primeiras formulações dos credos cristãos lidavam com problemas concretos que perpassavam a comunidade no tempo em que foram formulados. Por exemplo, a questão da cosubstancialidade foi importante no século IV justamente devido às teses de Ário que pregava um Cristo como criatura de Deus. Da mesma forma, a questão da divindade do Espírito defendida por Basílio de Cesaréia foi algo necessário diante das críticas que esse bispo sofreu pela doxologia inserida em suas celebrações. E os exemplos poderiam seguir ao longo de toda Idade Média e Moderna, mostrando que toda elaboração teológica está sempre conectada com o tempo e a situação nos quais é feita.
Se é assim, claramente as teologias cristãs também se tornam diferentes entre si de acordo com a cultura e sociedade onde é feita. Mesmo que a base da fé seja a mesma, as questões sociais, culturais e econômicas não o são e, por causa disso, a forma da teologia desse lugar também será diferente. Uma teologia asiática tem peculiaridades que a europeia e brasileira não têm. Claramente, isso não torna uma teologia melhor ou pior que a outra. Antes, chama a atenção para o fato de que fazer teologia não é o mesmo que trazer verdades eternas que devem se fixar em qualquer cultura e sociedade, mas que deve nascer do encontro com as realidades espalhadas pelo mundo para ser, assim, uma boa nova para aquele/a que a escuta.
Fazer teologia dessa forma é o que chamamos de fazer uma teologia hermenêutica, ou seja, uma teologia que interpreta a realidade onde está inserida e diz algo que faz sentido para aquela sociedade. Em outras palavras, é uma teologia que nasce a partir do concreto, do cotidiano da vida e, a partir dele, traz a mensagem cristã (no caso da teologia cristã) para essa sociedade. Dessa forma, a teologia nunca deve ser algo que modifica a cultura de um povo, como foi no passado de nosso país e de tantos outros colonizados, nos quais povos indígenas e sociedades tribais tiveram sua cultura e costumes totalmente cristianizados em nome daquilo que se entendia como ser cristão. Infelizmente, esse tipo de postura ainda pode ser encontrado hoje em várias tentativas de “evangelização de sociedades não alcançadas”.
Também não tem nada a ver com a pregação de dogmas e normas de conduta fechadas sobre si, e muito menos com um padrão de moral que deve se adequar a todas as sociedades do mundo. Até mesmo porque, se olharmos atentamente, Jesus foi um péssimo exemplo de moral para os religiosos de seu tempo, o que nos indica que seguir os seus passos não tem a ver com o seguimento de um corpo doutrinal fechado.
Diante disso, o desafio de se fazer teologia hoje se coloca entre o conciliar a proposta de Jesus que foi compreendida e interpretada ao longo da história cristã com o redizer esses ensinamentos de uma maneira que faça sentido para aqueles/as que a ouvem no mundo contemporâneo. Mas, fazer isso exige trabalhar com os novos paradigmas colocados pela sociedade contemporânea e a disposição para entrar nas realidades de hoje para, a partir delas, propor uma teologia que faça sentido e seja também uma boa nova para a sociedade. Estaria o Cristianismo disposto a fazer isso?