Uma Igreja empresa?
No início da Igreja cristã, como nos relata o livro de Atos, todos tinham tudo em comum e estavam preocupados em anunciar a Palavra de Deus revelada em Jesus Cristo e servir de testemunho para o mundo conhecido da época a respeito da salvação enviada da parte de Deus. Nesse sentido, a missão da Igreja se mostrou bem clara desde os primeiros escritos de Paulo até a narrativa dos Atos dos Apóstolos, na qual se conta os diversos feitos dos discípulos de Jesus e as diversas linhas de atuação dessa Igreja nascente.
Com o passar do tempo, o número dos que creram aumentou e a necessidade de organização se fez necessária. Mesmo que isso já possa ser percebido nos escritos paulinos a respeito da ordem e decência do culto ou nas cartas de Pedro em que se dão instruções a respeito dos requisitos para ser um presbítero, é somente depois da morte daqueles que tiveram contato com os primeiros apóstolos que a tara por uma hierarquia para essa Igreja vai começar a se consolidar, no intuito de trazer legitimação a respeito da mensagem cristã que continuaria a ser pregada.
Diante desse cenário, e principalmente depois da conversão de Constantino no século IV, a hierarquização da Igreja passou a ser aquilo que determinaria o seu rumo e como sua missão seria continuada na evangelização do mundo. Ainda que, nos primeiros séculos, o intuito houvesse sido para organizar a Igreja e manter a fidelidade da mensagem evangélica, após a ligação com o poder romano o caráter hierárquico muitas vezes se sobrepôs a esse ideal. A Igreja se tornou, em muitos aspectos, extensão das estruturas de poder do Império Romano, tendo, no lugar do poderoso Imperador, a figura do papa. Não se pode negar que grande parte daquilo sobre o qual o Cristianismo é acusado na Idade Média é fruto dessa visão da Igreja enquanto reino que precisa ser mantido dentro da ordem e da paz.
Do modelo de império a Igreja passou-se, em tempos contemporâneos, para o modelo empresarial de gestão. Na conjuntura atual, é possível perceber que quase todas as igrejas espalhadas, sejam protestantes, sejam católicas são como empresas que devem ser geridas. Ou seja, nela há entradas, saídas, despesas fixas, tais como aluguel, corpo de funcionários, contas de água, luz, telefone etc, que em nada difere de uma empresa normal.
Até aí, nada estranho para uma estrutura de aglomeração de pessoas que precisa se manter. No entanto, um dos maiores riscos desse tipo de gestão é perder qual é a missão para o qual a Igreja nasceu. Não dificilmente, no afã de uma gestão eficiente que usa os recursos de maneira eficaz e controla suas receitas e suas despesas de maneira a gerar um fundo de caixa para a comunidade, perde-se de vista o caráter filantrópico, sacrificial e de doação que está na origem do nascimento da Igreja, como relatado no livro de Atos. Perde-se de vista que mais importante que o lucro é a comunidade e o amor que é encontrado nela, lembrando ser essa a marca registrada dos discípulos de Jesus.
Atentar-se para os limites da organização de maneira que eles não tirem o foco daquilo que é essencial para uma comunidade que se diz cristã se torna, então, tarefa imprescindível para todos e todas que estão nos diversos cargos administrativos das igrejas espalhadas pela Terra.
Mais do que uma comunidade que gere receitas, a Igreja é chamada para ser uma comunidade de entrega e de amor que se dá a toda pessoa que necessita de ajuda e amparo. Dessa forma, não é uma administração que gera lucro financeiro para a Igreja aquela que deve ser almejada, antes uma administração que concilie uma boa gestão dos recursos sem esquecer que o mais importante de toda essa história, bem como a razão de ser da Igreja, está em seguir o exemplo de Cristo, a saber, de assumir a carne do mundo para sofrer suas dores e propor a esperança de que a morte não tem a última palavra, visto sermos testemunhas de que a vida a venceu.
Dessa forma, para a Igreja serve o adágio: Administrar recursos, sim. Esquecer as pessoas, jamais.