Tolerância no discurso e proselitismo na prática: consequências de uma teologia do medo
A teologia do medo, da qual falamos na semana passada, tem diversas consequências para aqueles e aquelas que a ela se submetem. Uma delas é o medo do diálogo, ou seja, o de ouvir o que pode ser diferente daquilo que se está acostumado. Uma vez que a teologia do medo sempre vem com um corpo de doutrinas incontestáveis e que devem ser obedecidas de qualquer maneira, tudo que soa diferente deve, então, ser rechaçado e deixado de lado, no intuito de manter a tão sonhada santidade.
Um desses diálogos tabus acontece com a questão das outras religiões. Uma teologia que se baseia no medo, na maioria das vezes, é uma teologia que foge da interpelação de outras matrizes religiosas que não se coadunam com o pensamento cristão. Até mesmo o ecumenismo é visto com desconfiança, por acreditar que ele pode desvirtuar o/a fiel da sã doutrina. Por causa disso, não dificilmente, ainda se vê rixas entre católicos e protestantes mesmo depois dos diversos documentos, dos dois lados, incluindo o Vaticano II, pregarem a ecumenicidade nessas relações.
Se até no diálogo ecumênico, ou seja, aquele que acontece entre as confissões cristãs, há ressalvas por parte da teologia do medo, imagine se não o haverá ao se tratar com religiões não cristãs. Diante dessas, geralmente, a postura se dá, de maneira “tolerante” no discurso e “proselitista”, na prática. (Claramente, aqui, também poderíamos incluir aqueles e aquelas que são intolerantes e que possuem uma postura totalmente belicosa, não aceitando nada que seja diferente àquilo que se acredita. Como esses discursos são facilmente reconhecidos, falar sobre os discursos fechados disfarçados de abertos se torna mais interessante).
Tolerante no discurso porque, diante de um mundo globalizado, a fala de que se devem respeitar todas as religiões é bastante difundida, sendo até considerado “feio” não o fazer. Dessa forma, ainda que as outras religiões sejam vistas como “erradas” por grande parte dos membros de uma teologia do medo, na hora de falar sobre elas todos e todas dizem que as respeitam e que elas devem ser consideradas sob o ponto de vista ético e moral, mesmo que nelas não se encontrem nenhum tipo de manifestação de Deus, sendo somente filosofias que não alcançaram um conhecimento verdadeiro a respeito Dele.
Com isso em mente, entra a segunda postura, ou seja, a proselitista. Essa vem porque se considera que todas as outras religiões não cristãs e, em alguns casos, até mesmo algumas cristãs, não são verdadeiras e não possuem a salvação. Por esses motivos, há os que as consideram dentro de um vasto espectro que vai desde ser uma “interpretação errônea a respeito de Deus” até ao de serem “enviadas pelo diabo para confundir as pessoas”. Nesse cenário, é tarefa daquele/a que foi alcançado/a tentar converter os membros dessas outras religiões para a única religião verdadeira e perfeita que, logicamente, é aquela a qual o/a proselitista pertence. No caso específico de que estamos falando, o Cristianismo.
Essas posturas, claramente, evitam uma aproximação dialogal com os/as que pensam diferente, fazendo com que os/as adeptos/as de uma teologia do medo vivam sempre em suas redomas de pensamento, o que, sem dúvida, se mostra como prato cheio para charlatães da fé que, a cada dia, crescem nos diversos meios religiosos.
Um pequeno passo para se sair de uma teologia do medo, então, é se abrir para o diálogo com os pensamentos que são divergentes, sejam numa postura ecumênica, seja numa postura inter-religiosa. Ao fazer isso, é possível se admirar com as obras realizadas por Deus nas outras tradições e religiões e engrossar a voz daqueles que, ainda hoje, cantam o hino paulino: “Oh profundidade da riqueza da sabedoria e do conhecimento de Deus.”