Um Deus que toma partido
É muito comum, hoje em dia, cristãos e cristãs desenvolverem uma postura indiferente com relação aos problemas que assolam a humanidade, sob a desculpa de uma preocupação com a salvação dessas pessoas por meio do Evangelho. Com isso, não é difícil encontrar os que se dizem seguidores de Cristo e, ao mesmo tempo, consideram sem sentido as lutas sociais, classificando-as como algo “comunista”, “esquerdista”, ou qualquer outro adjetivo que as desmereçam. Em outras palavras, a preocupação com a salvação envolve somente o plano espiritual e é medida por meio das práticas rituais dos cultos e das missas. Assim, o momento da Eucaristia, para citarmos um exemplo dentre vários, é, na visão de muitos, um momento meramente espiritual, de alimento do espírito para fortalecer a fé em Cristo e para, magicamente, “tornar a pessoa santa” por mais uma semana, ou no caso da maioria das igrejas protestantes, por mais um mês.
Aos que vêem dessa forma, na maioria das vezes, não passa pela cabeça que esse momento eucarístico vai muito além de um mero fortalecer espiritual da fé. Esse momento representa o corpo e o sangue de Jesus que é dado pela humanidade e pelo cosmos. Ou seja, trata de relembrar o gesto amoroso de Deus em enviar Seu Filho para restaurar e libertar Sua criação da opressão e morte que a assola. Dizendo de outro modo, a Eucaristia tem também o intuito de nos fazer lembrar que a vida de Jesus deve ser a nossa meta de vida, que seu modo de viver deve ser o nosso e que suas atitudes devem ser aquelas que tomamos na vida diária.
Compreender o momento eucarístico se torna então, assumir para si a tarefa da encarnação, ou seja, a de se envolver com a carne do mundo, assumir para si que os problemas da humanidade e da natureza também são de nossa responsabilidade e que somos chamados a intervir neles, levando a boa notícia de que esse mundo não está desamparado e deixado por si mesmo.
Fazer isso implica abrir mão de uma postura indiferente em relação às situações econômicas e sociais que tanto assolam nosso país e o resto do mundo. Implica entender que o Deus bíblico é sempre aquele que toma partido por um lado. Ele não é indiferente, deixando simplesmente que o mais forte domine sobre o mais fraco. Muito pelo contrário, o Deus bíblico é sempre aquele que se coloca do lado do pobre, da viúva, dos sem terra, dos marginalizados, dos que sofrem perseguição em nome da justiça, rejeitando os poderosos que usam seu poder para enriquecimento próprio e condena os que lhes são subordinados a condições de fome, miséria e ausência de dignidade.
Colocar-se ao lado dos mais pobres e lutar por sua causa se mostra, então, não como agenda esquerdista ou comunista, mas antes de tudo, se mostra como proposta cristã, ancorada no exemplo de Jesus de Nazaré, aquele que tomou partido pelos marginalizados da sociedade de seu tempo, ao invés de ficar vislumbrando somente uma pátria celestial, desconectada dos problemas reais nos quais ele estava inserido.
Ficar indiferente é sempre tomar o lado do mais forte como sendo o seu. O Evangelho, por sua vez, chama a todos e todas para se posicionarem contra as situações de morte que assolam a humanidade e a natureza, tomando o partido daqueles e daquelas que não têm como se defenderem sozinhos.
Compreendendo isso, fica fácil para nós, ancorados no Evangelho, identificar de qual lado Jesus estaria caso vivesse em nossos dias. Quem acha que é do lado dos poderosos, ainda não compreendeu a profundidade da transformação social proposta pelo Evangelho.