Humildade para ouvir
No texto da semana passada falamos a respeito de um Cristianismo que precisa reaprender a ouvir, recuperando assim uma característica primordial da experiência do povo de Israel para com seu Deus. Que isso seja uma tarefa difícil, ninguém o poderá negar. Afinal, a disposição para ouvir vem quando se considera que o outro que está diante de nós seja digno de respeito e de ser ouvido. Sem esse princípio básico, a fala desse outro se torna somente um amontoado de sons emitidos e palavras jogadas ao ar sem a menor relevância.
Durante muito tempo o Cristianismo se mostrou como uma religião que não estava disposta a ouvir por não considerar as outras vozes dignas de serem ouvidas. Ainda hoje, esse tipo de postura se faz presente entre cristãos e cristãs espalhadas pelo mundo, sendo um exemplo bem vívido disso a questão do diálogo inter-religioso.
A grande ironia é que uma boa parcela de cristãos e cristãs da atualidade dizem que se deve estar disposto a dialogar com as outras religiões e ouvir os seus discursos, bem como pregam que deve haver tolerância e respeito pelos pensamentos divergentes, desde que no final desse suposto diálogo se chegue à conclusão de que o Cristianismo seja a melhor religião que existe, a que compreendeu melhor a pessoa de Deus e o melhor caminho para se alcançar a salvação. Por incrível que pareça, são várias as pessoas que não vêem a dissonância entre a proposta de diálogo defendida e a conclusão proposta para esse diálogo.
Diante desse cenário não tão difícil de ser encontrado, é possível dizer que um dos motivos pelos quais isso ocorre é porque o Cristianismo atual ainda mantém certa ideia exclusivista a respeito do relacionamento com Deus e, dessa forma, tudo que vai contra a conclusão de que “o Cristianismo é a melhor religião que existe” ainda é visto, por muitos, como afronta e obra do inimigo, devendo, por isso, ser totalmente desconsiderado. Em outras palavras, ouvir alguém de uma religião não cristã (em alguns casos, até mesmo cristãos e cristãs com doutrinas diferentes) se torna algo perigoso e que deve ser evitado para que não se caia nos enganos e ciladas do inimigo que visam corromper a fé.
Quando isso acontece, a proposta de diálogo se torna um grande jogo de xadrez, onde o discurso de ouvir o outro é somente uma tática de jogo para tentar encontrar algum erro argumentativo, a fim de começar a ação proselitista mascarada de diálogo inter-religioso. Mas, se é essa a postura com a qual um cristão ou uma cristã segue para o diálogo, as palavras do outro não fazem diferença para o questionamento a respeito da própria fé e a disposição honesta de ouvir já se foi há muito tempo, restando somente o antigo complexo de superioridade que afeta o Cristianismo desde longa data.
O verdadeiro ouvir exige humildade. Exige enxergar o outro como igual em dignidade e, por isso mesmo, como tendo algo a contribuir para tornar-nos melhores cristãos e cristãs. Se isso é verdade para qualquer diálogo, para o diálogo inter-religioso isso se mostra como imprescindível, uma vez que somente uma religião humilde é capaz de um diálogo honesto e verdadeiro com outra. Recuperando o texto de semana passada, é possível dizer que sem humildade não há audição e sem audição não há diálogo.
Assim, somente um Cristianismo que imita àquele que é manso e humilde de coração será um Cristianismo disposto a se reeducar para ouvir tanto a sociedade em suas questões quanto às outras religiões em suas contribuições.