Discurso do medo e esquecimento do mundo: desafios para uma teologia protestante
São características presentes em diversas igrejas evangélicas o esquecimento do mundo e a concentração na eternidade. Não é difícil, em algum culto, ouvir a máxima de que não se pertence a esse mundo e, por causa disso, é vontade de Deus que se tenham os olhos fixos nas coisas celestiais e se prepare para a volta de Jesus que, como mostram os sinais do tempo, está mais próxima a cada dia.
Esse tipo de pregação, embora faça com que as pessoas que a ouvem se sintam extremamente importantes por fazerem parte dos que são salvos, ao mesmo tempo traz um constante desespero para muitos cristãos que não se sentem preparados para a chamada volta de Cristo. Nesse sentido, essa “volta” é usada como instrumento para impor medo sobre os fieis e, com isso, a mensagem de esperança da nova criação de todas as coisas se transforma em mensagem de terror que fala da chegada de um juiz que tem em suas mãos as listas dos salvos e condenados por toda a eternidade.
Ao mesmo tempo, esse tipo de pregação também traz consigo o grande problema de considerar os problemas do mundo como algo, de certa forma, natural. Em outras palavras, seria como se o mundo ser da forma que é não tivesse problema nenhum para os crentes. Afinal, se os crentes não pertencem a esse mundo, por que se preocupar com o que lhe acontece? Se tudo será consumido pelo fogo e a pátria cristã não é essa, a estadia na Terra se torna somente algo necessário por um momento para provar os que são merecedores de viver eternamente com Cristo.
Porém, ao observarmos a história do povo de Israel, bem como as narrativas evangélicas, Deus sempre foi conhecido como aquele que age na história trazendo a libertação da opressão. Nesse sentido, a compreensão de Deus pelo povo de Israel não é de caráter meramente metafísico, antes, é totalmente relacionado com a história. Os profetas, quando profetizavam, não falavam de coisas do além, antes falavam a respeito da concretude da vida, na tentativa de transmitir a vontade de Deus para a realidade de seu tempo. Da mesma forma, os apocalipses de Daniel e João não tratam de questões totalmente desassociadas dos acontecimentos do mundo, mas visam ser escritos de esperança em momentos de grande opressão do povo para o qual dirigem seus textos carregados de simbolismos e códigos a serem decifrados pelos receptores da mensagem.
O próprio evangelho de Jesus, de acordo com as narrativas evangélicas, se apresenta como discurso encarnado, que visa a libertação da opressão nas situações concretas da vida, preocupando-se constantemente com o desenvolvimento pessoal de cada um para o qual essa mensagem chega. Nesse sentido, separar a mensagem da salvação da realidade do mundo se torna algo não cristão e que nada tem a ver com a história do povo de Israel relatada no Antigo Testamento.
Nós cristãos precisamos compreender que a salvação trazida por Deus por meio de Jesus Cristo implica em comprometimento e engajamento com a dura situação do mundo atual, bem como a luta em favor dos excluídos e marginalizados de nosso tempo. Da mesma forma, o Evangelho pregado por Jesus demanda que se veja a presença de Cristo nos diversos pequeninos da nossa sociedade. Ou seja, ali onde está o faminto, o pobre, o nu, o preso, o enfermo, ali está o Cristo, sofrendo junto com eles, partilhando de suas dores e anseios.
Com isso em mente, torna-se um desafio para diversas igrejas da atualidade desfazer as amarras trazidas por uma pregação do medo que nada tem de evangélica e, ao mesmo tempo, recuperar a verdade bíblica que mostra um Deus que se envolve com o mundo e tem como intuito restaurá-lo para sua glória.