A coisa pública como questão teológica
Em nosso país, na maioria das vezes, falta a consciência da coisa pública. Geralmente, pensa-se que se algo é público, então ele não pertence a ninguém e, consequentemente, pode ser destruído, gasto, levado pra casa etc. Essa falta de consciência, infelizmente, é uma realidade cotidiana para a maioria de nós e de certa maneira, já está tão consolidado na sociedade que se tornou o modo de agir normal de diversas pessoas. Ora, se isso atinge toda a sociedade, consequentemente, atinge também a teologia.
Durante muito tempo, principalmente no meio protestante, o/a teólogo/a se colocava como alheio/a à coisa pública, preocupando-se muito mais com as questões relativas à alma, considerando as questões terrenas de pouca importância.
Dessa forma, mais importante do que se preocupar com o bem público, dispor-se de uma moralidade capaz de dizer o que é certo e o que é errado nos comportamentos e motivações das pessoas era a razão da maioria de seus esforços. Esse tipo de atitude, por sua vez, não é muito diferente de algumas que vemos em dias recentes, tais como aquelas da bancada evangélica no Congresso que, usando um discurso de preocupação com a moralidade e os bons costumes, em uma atitude totalmente hipócrita, tem se mostrado como um dos responsáveis pelos mais absurdos retrocessos na sociedade brasileira. Ao mesmo tempo, os membros dessa bancada fecham os olhos para os problemas tradicionais da nação, tais como a desigualdade social gritante e o problema da fome que volta a rondar o país.
Juntamente com a preocupação a respeito da alma, a preocupação em não perder os bens celestiais “acumulados” ao longo da vida, ainda hoje, em muitos discursos, se coloca como mais importante do que pensar nas questões que envolvem as políticas e gastos públicos, os orçamentos das Cidades, Estados e País. Sob o lema de que “não pertencemos a esse mundo”, diversas omissões são cometidas por pastores/as e líderes de diversas igrejas espalhadas pelo Brasil e ao redor do mundo.
Porém, ao se pensar dessa forma, o alívio dos sofrimentos dos desamparados e marginalizados da sociedade é jogado para o além, para a ressurreição e para a vinda do Reino de Deus. Ou seja, o que se revela é um discurso que ao mesmo tempo em que não se coaduna com a proposta de Jesus, também se mostra de uma crueldade sem tamanho, uma vez que justifica as omissões cometidas frente aos problemas graves da sociedade por meio de um evangelho vazio de sentido para os que sofrem.
Com isso em mente, é possível dizer que a própria realidade mostra que é tarefa do/a teólogo/a pensar o cotidiano como questão teológica, o que implica pensar a coisa pública como algo de sua coresponsabilidade. Assim, o/a teólogo/a é chamado a se envolver com as causas de sua cidade, participar das decisões que comprometem o futuro da comunidade na qual está inserido/a, ser voz ativa na luta em favor daqueles que são afetados por decisões injustas etc. Enfim, reconhecer-se como parte do público e responsável por ele em todas as suas esferas.
Porém, para fazer isso, é necessário que o/a próprio/a teólogo/a desconstrua em sua mente a imagem de que aquilo que é público não é de ninguém para assimilar que aquilo que é público pertence a todos/as e, por esse motivo, deve ser tratado com zelo, cuidado e responsabilidade.
Ao fazer isso consigo mesmo/a, o/a teólogo/a será capaz de ensinar por meio do exemplo a respeito da responsabilidade que se é necessário ter diante das questões públicas da sociedade no qual está inserido.
Por sua vez, isso nada mais é do que seguir o exemplo de Jesus que, como mostra a narrativa evangélica, foi alguém que se importou com os problemas de seu tempo, assumindo a responsabilidade de lutar em favor dos desfavorecidos, mesmo que para isso, irritasse os líderes religiosos e políticos de sua comunidade.
Ao compreender isso, fica claro que o/a teólogo/a não deve se afastar da coisa pública como se isso fosse algo que não lhe pertencesse e não lhe dissesse respeito. Muito pelo contrário, com o conhecimento obtido e na força do Espírito, deve se envolver e lutar contra os falsos evangelhos que são pregados e que são usados para trazerem leis que afetam e oprimem os excluídos e privilegiam os privilegiados do nosso país.
Isso, sem dúvida, é um dos papeis dos/as teólogos/as nos nossos dias e algo a se pensar na semana em que se comemora o dia do/a teólogo/a.