Não é em nome de Jesus que se destroem terreiros
Em um país em que traficantes destroem terreiros falando em nome de Jesus, percebe-se a necessidade de reforçar a cada dia o caráter dialógico que o Evangelho traz consigo. Por mais tentadora que seja, a ideia da salvação não deve ser entendida como a vitória do poderoso sob o mais fraco, e muito menos pensar que estar do lado cristão é estar do lado do mais forte. Ao se fazer isso, instaura-se uma guerra santa de um “nós” contra um “eles” e, consequentemente, admite-se que há um lado do bem contra um lado do mal, o que passa muito longe da proposta de Jesus.
Ao tratarmos das religiões de matrizes africanas, então, a capacidade para o diálogo se torna ainda mais necessária. Desde muito tempo, as religiões africanas foram consideradas demoníacas por grande parte do movimento protestante e evangélico. Quaisquer nomes ou imagens que remetem a algo que tenha a ver com as religiões pertencentes a esse continente ainda são vistas como algo que tem relação com as forças do mal e, portanto, devem ser extirpadas do nosso meio para que as maldições desapareçam. Não é de se espantar que, os que destroem os terreiros em nome de Jesus, em sua maioria, compartilham desse posicionamento.
Porém, ao se tomar a proposta de Jesus, percebe-se algo que subverte totalmente essa ideia de “guerra santa”. Esse algo é o amor que é esperado por parte daqueles que dizem discípulos de Cristo e que se traduz em obras efetivas para o bem da humanidade e para o bem da natureza.
Ao entender isso, torna-se claro que a pregação do Evangelho não tem a ver em destruir as religiões ou os pensamentos que são divergentes, seja pela força física, como no caso dos terreiros com o qual começamos esse texto, seja pela força dos discursos, que se manifesta quando há a demonização de tudo o que pertence aos povos africanos ou a religiões que são diferentes do Cristianismo.
Esse amor, como falado por Jesus nas narrativas evangélicas, é aquilo que mostrará ao mundo quem são os seus discípulos, sendo, portanto, a marca registrada daqueles que foram tocados pelas boas novas da salvação.
Curiosamente, a proposta de Jesus não fala a respeito do seguimento a uma determinada religião. O próprio relato que se encontra no evangelho de Marcos a respeito de certo homem que expulsava demônios em nome de Jesus sem andar entre os discípulos se mostra bastante ilustrativo. Jesus não o impede, mas orienta a seus discípulos que o deixe seguir, pois se realizava algo em seu nome, não era possível que, logo após, falasse contra ele.
O texto se torna mais interessante ao lembrar que à época da escrita da narrativa, havia diversas religiões com as quais o Cristianismo tinha que lidar, o que sugere que o seu autor tivesse em mente a tolerância para com aqueles que não pertenciam ao movimento cristão de seu tempo.
O Cristianismo é chamado para ter uma atitude de amor que implica em abertura para o diálogo, a fim de aprender com os pensamentos e formas religiosas que não são as mesmas que as suas. As religiões africanas têm muito a ensinar ao Cristianismo, seja com seus simbolismos, seja com a estreita relação que diversas dessas religiões possuem com a natureza.
Assim, o exemplo da igreja que doou R$11.000,00 para a reconstrução de um terreiro destruído por pessoas que não entenderam a proposta do Evangelho, ilustra muito bem o Evangelho que deve ser seguido por todo aquele que se diz cristão, ou seja, uma boa nova que preocupa muito mais em amar aos outros do que vencê-los pelas forças da violência e do discurso.