O que tem a ver Teologia Pública com Diálogo Inter-religioso?
Desde seu nascimento, o Cristianismo se viu inserido dentro de um ambiente de variedade religiosa. Foram diversos os embates ao longo dos primeiros séculos da era cristã na tentativa de se chegar a uma confissão comum a respeito daquilo que se cria frente às diversas concorrências, tais como o gnosticismo e o próprio judaísmo, sendo esse último, muitas vezes, duramente acusado por alguns cristãos, tais como Atanásio, de ter sido o responsável pela crucificação de Jesus. Também dentro do próprio cristianismo foram grandes as controvérsias e, principalmente após a cristianização do Império Romano, algumas se mostraram tão importantes para a população que, em determinados períodos, como no caso da controvérsia ariana, era possível ouvir nas ruas e em todo lugar conversas a respeito de posições contra e a favor de Ário.
Com a Idade Média, em que a Igreja se mostra como lugar de poder no Ocidente, o aspecto da variedade religiosa toma contornos mais extremistas, uma vez que toda e qualquer outra religião que não fosse a cristã confessada pela Igreja deveria ter os seus adeptos mortos. Como exemplo, pode-se tomar a constante perseguição religiosa a judeus e muçulmanos nesse período, culminando com o evento das Cruzadas contra o povo muçulmano.
Nesses dois momentos da história, é clara a participação da população na preocupação a respeito da fé e das questões concernentes à teologia e seu embate com as outras religiões. O motivo era muito simples: devido ao estado cristão que se havia formado após a conversão de Constantino, pensar nas categorias teológicas tinha a ver com pensar a própria vida e com seu se portar na sociedade. Uma vez que crer certo tinha a ver com falar certo aquilo que se cria, era importante estar antenado com a posição oficial da Igreja a fim de evitar problemas para si e sua família.
Com a Reforma Protestante no século XVI, o poder da Igreja começa a ruir e, ao longo dos séculos seguintes, ser cristão passa a ser somente uma opção dentre as várias outras religiões existentes. Ainda que houvesse tentativas de mostrar que o Cristianismo era a melhor religião possível e se vivesse às sombras de uma ambiente cristão em quase toda Europa, a diversidade religiosa, bem como a ausência de uma religiosidade começaram a crescer, até ter seu ápice na Idade Contemporânea na qual se vive atualmente.
Com isso em mente, pensar a necessidade de diálogo inter-religioso como uma tarefa importante e que poderia ser levada a cabo por parte das autoridades religiosas e populações existentes no mundo contemporâneo deveria ser visto como algo trivial e de caráter público. Contudo, mesmo que tenha havido diversos cristãos e membros de outras religiões que se propuseram a dialogar entre si a fim de tentar criar um ambiente de paz no mundo, ainda é extremamente comum que os povos se persigam mutualmente por causa de questões doutrinais e religiosas.
Diante disso, é possível perceber que a teologia pública e a teologia do diálogo inter-religioso se inter-relacionam de maneira profunda. Assim, como desafio dessa inter-relação, ao mesmo tempo que se deve perguntar se a intolerância religiosa pode ser vista como um dos motivos pelos quais a teologia perde seu caráter público na sociedade, uma vez que ninguém quer ouvir um discurso que se pressupõe como detentor de verdade e condenador de outras formas de religiosidade, deve-se também se perguntar pelo papel fundamental da teologia de diálogo inter-religioso para a abertura a uma teologia pública, uma vez que a questão das religiões ainda tem um papel importantíssimo na vida das sociedades contemporâneas.
Assim, a teologia atual se mostra com duas tarefas importantíssimas: em primeiro, está aberta para dialogar honestamente com as outras religiões existentes no mundo; em segundo, se tornar uma voz que seja ouvida e demandada pela população de diversas sociedades.