Legitimidade na atualidade: um desafio para a Teologia
Em uma roda de conversa entre colegas e amigos é comum, e até mesmo esperado, que todos que a compõe tenham o pleno direito de falar, devendo para isso ouvir quando alguém dessa roda começa a se pronunciar sobre determinado assunto. Agindo assim, se cria um ambiente de respeito e de educação que permite que haja, realmente, uma conversa. Para que ela ocorra, é imprescindível, além do pacto de educação que mencionamos, que haja também o reconhecimento da legitimidade de cada participante em relação ao outro. Se isso não acontece, há a grande probabilidade de que aqueles que não são vistos como “dignos” daquele agrupamento sejam, simplesmente, excluídos da conversa e não tenham suas opiniões devidamente recebidas.
Dificilmente se pode pensar em uma disposição de ouvir por parte daquele ou daquela que vê seu interlocutor como alguém sem legitimidade, bem como dificilmente alguém, percebendo que não há interesse em sua voz, se disponha a dizer algo em meio a determinado grupo. Assim, o reconhecimento da legitimidade se torna fundamental para que haja tanto o interesse em falar como também o interesse de ouvir.
Com isso em mente, é importante questionar qual tem sido a postura da Teologia dentro do cenário atual. Será que ela tem sido vista como detentora de legitimidade por parte das outras áreas da sociedade? Ao mesmo tempo, será que ela tem considerado dignas as outras vozes que tentam conversar com ela?
Se falamos, ao longo das últimas semanas, sobre o diálogo inter-religioso e pontuamos algumas questões importantes para se pensar essa temática no cenário atual, cabe também agora um olhar crítico para dentro da própria Teologia e sua relação com a sociedade.
Durante muito tempo, a Teologia tomou para si o statusde ser o maior dos conhecimentos. Uma vez que essa falava e estudava a respeito da questão de Deus e também trazia o que considera a palavra da verdade para todos, essa posição de superioridade estava, certamente, garantida e era considerada, até mesmo, de direito. Dessa forma, durante toda a Idade Média a voz da Teologia era constantemente ouvida, seja pelo status que carregava, seja pelo medo que impunha, uma vez que em uma época de cristandade, quem sabia Teologia estava em condição de poder muito melhor do que aqueles que não sabiam.
Com o advento do Iluminismo, ou da chamada Idade da Razão, as explicações teológicas para as questões mundiais começam a perder terreno. Entra uma nova forma de pensar: não mais a partir do alto, mas a partir dos fatos, não mais por meio do dogma, mas por meio da análise detalhada dos fenômenos. Diante disso, e também como fruto de toda resistência que a própria Igreja fez frente aos avanços propostos pelo Iluminismo e Modernidade, a legitimidade da voz teológica foi se perdendo dentro de uma Sociedade cada vez mais racional e crítica, sendo vista, por muitos, como um campo do saber que trata somente das questões espirituais, nada tendo a ver com as questões terrenas, políticas e econômicas de um novo mundo que se abre, visão essa que permanece, ainda hoje, em muitos meios da sociedade brasileira e mundial.
Nesse movimento histórico, é possível perceber certa reciprocidade: ao mesmo tempo que a Teologia, na época da Cristandade, não quis ouvir a voz de uma sociedade que demandava novas posições frente ao novo mundo que se descortinava, a Sociedade da Razão, ao conseguir dominar a forma de pensar do mundo atual, também não fez questão em ouvir a voz da Teologia a respeito daquilo que as ciências podiam dar conta por meio dos seus métodos. Nesse sentido, aos olhos uma da outra, não há legitimidade na voz do outro com relação às questões do qual cada uma trata.
Como não se vive mais em uma época de Cristandade, a luta atual da Teologia consiste em se fazer ouvir e recuperar sua legitimidade frente à sociedade.