É necessário separar para reformar?
O Protestantismo, nascido em 1517, fruto das teses de Lutero contra as indulgências que a Igreja Católica de seu tempo cometia, tem uma característica curiosa que, de certa forma, permanece até hoje entre as igrejas que pertencem ao movimento protestante. Essa característica é a facilidade de se “separar” pela necessidade de reformar. Isso pode ser percebido, por exemplo, no “racha” que acontece desde os primórdios do Protestantismo, entre Lutero e Zwinglio a respeito da Eucaristia. Enquanto o primeiro acreditava em uma interpretação literal do texto “isto é o meu corpo”, Zwínglio afirmava uma leitura simbólica a respeito do dito na Escritura, o que gerou certa confusão no Concílio de Marbug, em 1529 e, posteriormente, a separação entre os dois reformadores.
Ao longo da história do Movimento Protestante, é possível perceber inúmeras tentativas de reformas que geraram novas denominações que, mais tarde, também foram alvos de tentativas de reformas por parte de outros que estavam insatisfeitos com as posturas adotadas até então. Com isso, o que era, na maioria das vezes, um desejo legítimo de se viver a vida evangélica conforme ensinada nas Escrituras, com o passar do tempo, se tornou um modo característico de ser das igrejas evangélicas atuais.
Comumente, e principalmente nos movimentos pentecostais de hoje, é possível perceber que qualquer discordância, mesmo que não seja doutrinal, é motivo de separação e criação de uma nova denominação, “melhor” que a anterior. No campo neo-pentecostal, a dinâmica se mostra ainda mais descarada ao se tomar as principais denominações, tais como Universal do Reino de Deus, Internacional da Graça de Deus e Mundial da Benção de Deus. As duas últimas vieram da primeira, e a segunda foi fundada pelo cunhado de Edir Macedo, principal pastor da Universal.
Diante desse cenário, a assinatura do documento de Wittenberg que aconteceu em 05/07/2017, se mostra de extrema importância. Esse testemunho, que é assinado pela Federação Luterana Mundial e a Comunhão Mundial das Igrejas Reformadas, ainda ciente de diversas divisões que “obscurecem a unidade e dificulta o testemunho”, reforça a necessidade de caminharem juntos para expressarem a comunhão que essas igrejas já possuem em Cristo.
Mesmo que, dentre as signatárias, não se encontra nenhuma representante do movimento pentecostal, a atitude não deve ser desconsiderada, antes deve ser vista como mais um pequeno passo para a unidade cristã dentro do Movimento Protestante, o que sem dúvida, também é mais um passo para o avanço no diálogo ecumênico com a Igreja Católica.
Não seriam essas ações atuais das igrejas protestantes indícios de uma nova mentalidade, voltada para o diálogo e para o foco naquilo que as une ao invés do foco naquilo que as separa?
Seria possível perceber uma mudança na forma do Movimento Protestante ser no mundo, não mais interessado em “separar” para reformar, mas sim em perceber que a verdadeira Reforma passa pelo ensinamento do Mestre de que “o mundo reconhecerá que sois meus discípulos se amarem uns aos outros”, o que implica, necessariamente, na comunhão com os irmãos?
Se a resposta às duas perguntas for sim, então é possível ver nessas atitudes mais um degrau rumo ao diálogo ecumênico e, consequentemente, mais um degrau no diálogo com as outras religiões, por parte do Protestatismo.