Será que somos realmente cristãos?

Será que somos realmente cristãos?

Lembrai-vos dos presos, como se estivésseis presos com eles, e dos maltratados, como sendo-o vós mesmos também no corpo. Hebreus 13:3
Diante da situação atual de nosso país que mergulha em uma segregação social enorme, onde o rico tem ficado cada vez mais rico e o pobre cada vez mais pobre, em que se diz que bandido bom é bandido morto e defende a sua execução, em que se escuta diversas pessoas afirmando que aqueles e aquelas que estão em posição de mais necessitados estão assim porque se acomodaram a receber ajuda do governo, o versículo da carta aos Hebreus se mostra como resposta.
Ao observarmos a história do povo de Israel representada pelo evento do Êxodo, percebemos que Deus é reconhecido pelo povo como aquele que o liberta da escravidão do Egito e os conduz a uma terra que mana leite e mel. O povo de Israel reconhece o seu Deus não como um ser totalmente transcendente, mas antes alguém que caminha, sofre e entende seu sofrimento e está disposto a libertá-lo disso.
Se observarmos a história de Jesus também vemos a mesma coisa. Como cristãos, cremos que Deus estava em Jesus Cristo para a salvação dos humanos. Dessa forma, pensar Jesus Cristo como Deus tem a ver com entender Deus a partir da pessoa de Cristo e não o contrário. Observando a história de Jesus narrada pelos evangelhos, podemos ver alguém que se identifica com aqueles que são marginalizados e sofre com eles, não tendo nenhum problema em ser contado entre esses. Mas, ao se importar com os pobres e os maltratados, bem como ao desafiar o poder da liderança religiosa de seu tempo, é condenando à morte. Jürgen Moltmann, teólogo luterano, nos chama a atenção que, ao olharmos a morte de Jesus na cruz, é imprescindível ver que Jesus morre, de acordo com aqueles que o condenaram, como blasfemo, como abandonado por Deus, e como revolucionário.
A acusação de blasfemo vem por parte dos líderes religiosos de seu tempo. “Quem é esse que diz blasfêmias? Quem pode perdoar pecados senão Deus?” (Lc 5:21); “ainda não tens ainda 50 anos e viste a Abraão? Antes de Abraão existir, eu sou” (Jo 8:57) e tantas outras frases relatadas no evangelho mostram o porquê de ter sido considerado dessa forma por aqueles que eram os guardadores da lei do seu tempo.
Que morra abandonado por Deus, isso se mostra claro no próprio grito de Jesus relatado em Lucas: “Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?”. Quanto à questão de morrer como revolucionário também se mostra no relato evangélico ao questionar diversos costumes da comunidade de seu tempo e desafiar os poderes religiosos do povo de Israel.
Mas para que lembramos tudo isso? Justamente para podermos perceber a relação entre o Deus que sofre no Antigo Testamento e sente as dores do seu povo e o liberta e a vida de Jesus que sofre com aqueles e aquelas e por aqueles e aquelas que são maltratados a fim de os libertar e trazer salvação e percebermos também que se trata do mesmo Deus que sempre, ao longo da história humana, optou pelos mais fracos e desfavorecidos.
Com isso em mente, podemos voltar ao nosso versículo inicial e percebermos que lembrar dos presos como se estivéssemos presos com eles e dos maltratados como se nós mesmos o fôssemos, é nada mais nada menos que sermos o reflexo daquilo que Deus é e se revela a nós na pessoa de Jesus Cristo.
Dessa forma, se nosso discurso a respeito dos maltratados e daqueles que sofrem não for um discurso que luta pelas suas libertações e para que tenha uma vida digna e humana, não entendemos absolutamente nada do testemunho de Cristo e do testemunho de sua ressurreição e nos afirmarmos cristãos é mera hipocrisia de nossa parte.
Nesse sentido, é bem acertado o pensamento de Moltmann que ao compreendermos a ressurreição de Cristo como a vida que vence a morte e o início da nova criação de todas as coisas, então toda nossa luta em prol da vida se mostra como resposta da esperança que essa ressurreição nos traz.

Diante disso, somente ao olharmos com empatia para aquele e aquela que sofre e lutarmos pela sua causa é que podemos nos considerar cristãos e cristãs verdadeiros. Do contrário, não passamos de um bando de pessoas que, olhando para o céu, se esquece que, nos mais pobres e maltratados, Cristo se faz presente entre nós.

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