Os palhaços em luta pela democracia
Joseph Ratzinger, em seu livro Introdução ao Cristianismo, conta uma história que, se não me engano, foi contada pela primeira vez pelo filósofo Soren Kierkegaard. O motivo de Ratzinger ter colocado essa história no livro é para falar a respeito do papel do teólogo em dias atuais, contudo, acredito que também possa ser útil para falar a respeito das diversas vozes que se levantam, atualmente, em nosso país.
A história trata de um palhaço que, vendo que o circo no qual trabalhava estava pegando fogo, sai em direção à cidade para avisar à população e pedir ajuda para que o incêndio pudesse ser contido. Contudo, por sair desesperado, não deu tempo de retirar sua maquiagem antes de partir. Dessa forma, ao chegar na cidade e falar com os cidadãos dela, esses consideraram que o palhaço estava a fazer palhaçadas na tentativa de fazer as pessoas rirem. Ninguém ligava para o drama do palhaço e todo o seu desespero em tentar salvar o circo no qual trabalhava. Depois de algum tempo, quando as chamas não podiam mais ser contidas e se tornaram tão altas de maneira que toda a cidade pudesse ver, aí então perceberam que o palhaço falava a verdade e não estava brincando ao falar do incêndio. Infelizmente, já era tarde para se fazer alguma coisa e o circo e todos os que estavam perto foram consumidos pelo fogo.
A história se mostra muito interessante e, ainda, muito a calhar, se observarmos a situação atual de nosso país. Diante dos últimos acontecimentos que nos sobrevieram, são diversas as vozes que tem se levantado em defesa da democracia e denunciando, constantemente, o ataque sofrido pelo povo brasileiro.
Não dificilmente vemos que, todo aquele que fala contra isso é chamado de “petista”, “lulista”, “comunista”, etc, e isso independe de quem fala. Se estudiosos do sistema político mundial falam que há um “golpe” em curso no país com o intuito de impor sobre ele, de maneira mais severa ainda, uma agenda entreguista que é o mesmo aplicado em outros países da América do Sul e Central pelas elites financeiras, automaticamente essse já são chamados de um dos adjetivos que mencionei acima e não são, nem ao menos, ouvidos em suas análises.
Da mesma forma, quando diversos cristãos e diversas cristãs de nosso país denunciam o ataque àqueles que são mais pobres por meio de políticas que visam retirar seus direitos e oprimi-los ainda mais, esses também são chamados de “petistas” e tantos outros adjetivos, alguns não tão carinhosos assim.
O que preocupa nisso tudo é que, como na história, esses que tem alertado sobre essas questões exploratórias e de retirada de direitos e ataques à democracia brasileira e chamado para a luta contra essas atrocidades que temos visto em nosso país, são vistos como palhaços que estão falando coisas sem sentido e fazendo gracinha nas redes sociais e nos movimentos de luta espalhados pelo país.
Não são poucos os que não conseguem perceber que está acontecendo a mesma coisa que aconteceu há menos de 60 anos em nosso país e o mergulhou em um período ditatorial e de extrema repressão à população, sendo considerado um dos momentos mais tenebrosos de nossa infante democracia.
Que nossa democracia precisa passar por uma reforma, não temos dúvidas. Que o sistema eleitoral precisa ser revisto de maneira que somente ocupe as câmaras e o senado os candidatos realmente eleitos por maioria dos votos, sem o coeficiente eleitoral, isso é imprescindível, mas não é tirando com jogos políticos a presidenta eleita com maioria dos votos que se fará isso e, com certeza, não é essa a forma de se começar uma reforma política.
Preocupa-nos que são vários os que apoiam o processo de impeachment ocorrido em nosso país recentemente, mesmo que não tenha havido crime de responsabilidade, segundo fala do próprio Procurador-Geral da República, bem como pela fala do próprio presidente atual de que o motivo do impeachment teria sido a não aceitação da “Ponte para o Futuro” que, na verdade, tem se revelado como grande retrocesso em diversas áreas. Claramente, sabemos o motivo: fazer com que os ricos fiquem mais ricos e os pobres fiquem cada vez mais pobres.
Diante de tudo isso, é dever cristão não se calar. É necessária a denúncia e a luta para que os direitos conquistados pelos trabalhadores e os mais pobres sejam mantidos em nosso país. Como diz Leonardo Boff: “não importa de qual lado se está, mas sim, de qual lado se luta”.
Que lutemos em favor dos mais desfavorecidos e reivindiquemos que seus direitos sejam mantidos.