Algo sobre travessias

Algo sobre travessias

Parafraseando Guimarães Rosa penso que a alegria não está na chegada ou na saída e sim na travessia. Pensando sobre isso hoje, percebo que isso só é real para aqueles que olham o caminho enquanto passam por ele. Dessa forma, a questão já tem a ver com qual parte do caminho estão os olhos.
Se os olhos estão somente na chegada ou na saída, não se percebe os ladrilhos do caminho. Os tropeços não são motivos de reflexão, as paisagens em torno não são motivos de encantamento. Não há olhos para isso uma vez que se está muito preocupado sobre o onde chegar.
Penso que , muitas vezes, são esses que chegando onde tanto desejavam, não conseguem ver o contentamento no final.
Conversava há alguns dias sobre o morrer tentando ser feliz. Durante a conversa, chegamos à conclusão que isso se tornava inútil e sem sentido. Quem vive esperando chegar em algum lugar, ou o chegar de algo para ser feliz, tende a tornar-se infeliz nunca alcançando esse algo que tanto se almeja. Torna-se como a tartaruga de Zenão que nunca chega ao seu destino por sempre ter que andar uma metade para chegar  à próxima metade.
Assim, andar somente olhando para a chegada pode ser o início de uma grande infelicidade.
Há também aqueles cujos olhos estão somente no caminho e não sabem onde querem chegar. Somente andam observando as belezas do caminho, sentindo o vento que bate, seguindo às bonitas paisagens e depois de tanto andar se cansam. Ao cansarem, em muitos casos, param. Ao pararem, muitas vezes, entristecem-se por não ver sentido em tudo aquilo que se faz enquanto andam na sua observação do caminho.
Penso que os dois extremos são perigosos. Somente olhar a chegada sem olhar por onde se passa bem como somente olhar por onde se passa sem saber onde se quer chegar.
Talvez todos tenhamos os dois momentos na vida. Felizes são os que sabem onde querem chegar e observam o caminho por onde passam. Quem sabe são esses os que vêem a vida leve sabendo que, muitas vezes, o tempo de uns é diferente do tempo de outros.
Há uma música de um grupo chamado Jars of Clay que gosto muito e sempre reflito sobre ela que diz:

 
So you know who you are
And you know what you want
I’ve been where you’re going
And it’s not that far
It’s too far to walk
But you don’t have to run
You’ll get there in time
 
Que assimilemos a beleza do saber o que se quer, a constância para andar até onde se quer chegar e a paciência para entender que, muitas vezes, o tempo certo é o tempo que se chega. E assim, quem sabe, vejamos dias mais felizes, noites mais tranquilas entendo que a chegada só faz sentido se a caminhada é digna de ser lembrada. 
 
Fabrício Veliq
25.11.2010 – 19:39

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