Amizade como lugar teológico

Amizade como lugar teológico

Photo by Naassom Azevedo on Unsplash

Falar sobre amizade não é algo contemporâneo, embora possa parecer a muitas pessoas. Aristóteles, em sua ética a Nicômaco, já inicia seu livro VIII colocando a amizade como algo importante para a vida. Diz ele que a amizade é uma “certa excelência, ou algo estreitamente ligado a ela; além disso, é do que mais necessário há para a vida. Pois ninguém há de querer viver sem amigos, mesmo tendo todos os restantes bens”[1].

Da mesma forma, na literatura bíblica, seja na história da amizade de Davi e Jônatas, que conta no livro de 1 Samuel, no capítulo 18, seja no livro de Provérbios, em que se afirma que “há amigos mais chegados que irmãos” (Pv 18,24); ou ainda, se quisermos voltar ainda mais na história do povo bíblico, podemos também lembrar de Abraão, que foi chamado amigo de Deus, todos esses textos já dá a antever o valor que a amizade figura nas relações humanas e também na relação com o próprio Deus.

Talvez, para nós cristãos, o texto que mais nos convida a refletir sobre a temática é aquele que se encontra em João 15,15. Nesse texto, conhecido como fazendo parte dos discursos de despedida de Jesus, encontramos o Messias dizendo: “não vos chamo mais servos, porque o servo não sabe o que faz o seu senhor; mas Eu vos tenho chamado amigos, pois tudo o que ouvi de meu Pai Eu compartilhei convosco”.

Todos e todas sabem o quão valoroso é ter uma amizade verdadeira, alguém para poder contar nos momentos de desespero, ou nos momentos de alegria. Há amizades que são marcantes e, verdadeiramente, mudam nossas vidas a partir do momento que admitimos entrarmos nelas.

Quando levamos essa temática para a teologia, precisamos pensar também a amizade como lugar teológico, ou seja, um lugar a partir de onde se é possível pensar o próprio fazer da teologia. Com isso em mente, alguns pontos podem ser elucidados:

Assim como toda amizade pressupõe uma relação, também a teologia é deve estar disposta a entrar em relação com mundo. Uma teologia de gabinete, distanciada dos problemas sociais e políticos contemporâneos não se sustenta a partir da temática da amizade. Como consequência, assim como toda amizade pressupõe a abertura ao outro, que é diferente de mim, também a teologia que parte da amizade precisa estar aberta a ouvir dos outros lugares aquilo que eles têm a dizer, de maneira que possa, realmente, se mostrar aberta para essa o desenvolvimento de uma amizade sadia com outras religiões, realidades, culturas etc.

Ter a amizade como lugar teológico também implica o renunciar a toda pretensão de superioridade. Entre amigos e amigas não há hierarquia. Essa, talvez, seja a grande radicalidade da fala de Jesus para com seus apóstolos, o estabelecimento da não hierarquia entre o mestre e seus discípulos e, extrapolando, a não hierarquia na sociedade de irmãos e irmãs pertencentes ao Reino de Deus. Ou seja, no lugar de relações hierárquicas, o que se estabelece é a comunidade dos iguais, em que todos e todas são consideradas em sua dignidade.

Nesse sentido, tomar a amizade como lugar teológico traz à tona a subversividade do Reino de Deus, que rompe as estruturas hierárquicas da sociedade, revelando que, aos olhos do Pai, todos e todas são irmãos e irmãs, onde não há melhores e piores, mas, somente amigos e amigas, em comunhão uns com os outros e com o próprio Deus.

Será que, hoje, temos coragem de ter a amizade como lugar teológico?

[1] Ética a Nicômaco, 8, 1155 a1, 1-5

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