O risco de uma teologia surda
No cenário atual, o falar é uma das coisas mais demandadas por todos/as em relação a tudo. Vivemos no mundo do discurso em que a todo o momento é requerida uma opinião a respeito das questões políticas, econômicas e sociais que assolam o mundo, mesmo que tais pessoas não saibam muito ou mesmo nada sobre o assunto que lhes é demandado.
No entanto, é preciso perceber que no afã de se falar, na maioria das vezes, também vai se perdendo com o tempo a capacidade de ouvir, sejam as vozes convergentes, sejam as vozes divergentes com relação àquilo que pensamos.
Quanto às convergentes, essas são mais difíceis de deixar de ouvir, uma vez que se tornam meras reverberações daquilo que nós mesmos falamos, de maneira que cercar-se delas é também um meio de se colocar em uma redoma onde tudo acontece e é falado da forma que nós estamos acostumados e confortáveis em ouvir.
As divergentes, por sua vez, com o tempo, para muitos, se tornam inimigas e passam a ser consideradas indignas de serem, até mesmo, ouvidas. Nada que venha dessas vozes faz sentido e deve ser rechaçado, pois, assim como Natanael, as pessoas se perguntam: “o que de bom pode vir dali?”.
Diante disso, há um grande risco para a teologia atual e que cresce a cada dia, a saber, o risco de se tornar surda. Uma surdez que é percebido com relação às vozes dos desamparados e marginalizados desse mundo que, ironicamente, podem ser considerada como a voz que converge no discurso do Cristianismo, uma vez que todos e todas as cristãs apoiam a ideia de que o Cristianismo visa dar de comer ao faminto, apoiar os desamparados, trazer libertação ao cativo etc. No entanto, ainda que seja uma voz convergente no discurso cristão, são vários os que consideram toda pregação que visa à reparação social e a libertação do oprimido das amarras de um sistema corrompido, como de viés “comunista” ou como “ditadura socialista”, não percebendo que isso que é falado nada mais é que a pregação do próprio Jesus, conforme narrada nos Evangelhos.
Com relação às vozes divergentes, ou seja, aquelas que não falam da mesma forma que o Cristianismo, a resistência tende a ser ainda maior, o que pode ser percebido na enorme dificuldade que diversas pessoas cristãs têm tanto com o diálogo ecumênico, quanto com o diálogo inter-religioso. Dessa forma, escolhem não ouvir essas outras vozes por considerarem errôneas, sem nada a acrescentar e, diversas vezes, como inimigas, sejam declaradas, sejam veladas.
Contudo, de acordo com a narrativa evangélica, os/as seguidores/as de Cristo são chamados/as para uma atitude de humildade e abertura para ouvir as vozes divergentes e efetivar o discurso daquilo que em nosso texto chamamos de vozes convergentes. Isso quer dizer que a luta social pela justiça, paz e igualdade para todos e todas não deve ser somente um jogo de palavras, mas precisa se tornar efetivo no agir cotidiano dos que se dizem seguidores de Jesus. Da mesma maneira, a abertura ao ecumenismo e ao diálogo inter-religioso é tarefa da teologia cristã que se quer dizer atual e com sentido para a sociedade de nosso tempo.
Se não houver essa disposição para fazer isso, a teologia se tornará cada vez mais surda para as situações atuais e para o clamor que surge no meio da sociedade em que está inserida, esquecendo-se que, enquanto cristã, é seu dever acolher e ouvir tanto os seus quanto os que são de fora.